Cenário internacional afeta investimentos no Brasil

Taxas de juros de curto prazo abaixo da inflação e evolução constante da tecnologia ocasionaram mudanças importantes na forma como os investidores dos países desenvolvidos passaram a encarar as diversas modalidades de investimento. E gerou reflexos significativos também para as aplicações financeiras no Brasil.

Do ponto de vista macroeconômico, a estratégia dos bancos centrais dos Estados Unidos, Europa e Japão para combater os efeitos da queda da atividade econômica nos anos recentes foi tentar manter inalterado o nível de crédito para empresas e famílias. O principal instrumento para a implementação dessa política foi o chamado “afrouxamento monetário”.

Trata-se de uma combinação que envolve redução da taxa de juros de curto prazo com a recompra de títulos públicos e privados em poder dos bancos. O objetivo é facilitar a renovação dos contratos de empréstimos, fornecendo recursos aos bancos para aumentarem a carteira de crédito a juros baixos.

A justificativa para as medidas adotadas é a tendência das instituições financeiras de cortar linhas de financiamento para companhias e consumidores em momentos de retração econômica. Nessas situações, o temor da inadimplência estimula os bancos a dificultarem a renovação dos contratos.

Se os bancos centrais dos países desenvolvidos não agissem, a consequência seria o agravamento da recessão, tornando mais difícil a recuperação da economia global.

Mas alguns especialistas apontam problemas com a estratégia que vem sendo seguida. O principal temor é que a atual política de afrouxamento monetário acabe provocando o aumento da inflação nos países desenvolvidos.

Como consequência, para controlar a inevitável alta de preços no futuro, os bancos centrais necessariamente teriam que voltar a elevar os juros. Os analistas mais ortodoxos argumentam que o resultado da atual política seria apenas o adiamento dos problemas.

Os mais pessimistas apontam, ainda, para os riscos decorrentes da excessiva valorização dos títulos públicos e das ações negociadas nos países desenvolvidos.

Isso porque o efeito colateral da maior quantidade de dinheiro disponível na economia mundial foi o aumento da demanda por títulos de renda fixa e ações. A procura maior provocou aumento do preço dos ativos.

No mercado de renda fixa, o aumento do preço dos títulos implica redução do rendimento corrente da aplicação para os novos investidores. Esse fato pode ser constatado por meio da análise dos diversos índices Barclays, uma empresa especializada em cálculos de indicadores de mercado.

Por exemplo, em janeiro de 2014 o rendimento médio de um título do governo americano com prazo de vencimento variando entre cinco e sete anos era de 1,86% ao ano, segundo o índice Barclays US Treasury 5-7 anos Yield. Em julho de 2016 o rendimento para quem comprava o papel havia caído para 1,18% ao ano.

JuroAmericano

A contrapartida é que a valorização do título aumentou o retorno do investidor que já tinha o título. O ganho total do índice Barclays US Treasury 5-7 anos TR, que inclui os juros recebidos e a apreciação do papel, no período compreendido entre janeiro de 2014 e julho de 2016 foi de 4,89% ao ano.

Portanto, mesmo em um ambiente de queda dos juros de curto prazo a níveis recordes de baixa, a aplicação em títulos de renda fixa de países desenvolvidos proporcionou um retorno expressivo. O mesmo aconteceu no mercado acionário.

O excesso de liquidez patrocinado pelos bancos centrais provocou uma corrida para compra de ativos reais, especialmente ações negociadas nos Estados Unidos. Entre janeiro de 2014 e julho de 2016, o S&P 500, um dos principais indicadores de desempenho do mercado americano, subiu 24%.

A tecnologia ajudou os investidores em países desenvolvidos a tirar vantagem da alta do preços dos ativos. Por exemplo, hoje em dia o investidor pode atrelar as aplicações em um ETF (fundo negociado em bolsa, na sigla em inglês) ao cartão de crédito. Dessa forma, o pagamento da fatura pode ser efetuado automaticamente com a baixa das aplicações.

Isso pode ser feito com qualquer tipo de aplicação. Como consequência, muitos investidores reduziram radicalmente a proporção do caixa e dos ativos atrelados aos juros de curto prazo nas carteiras.

A tecnologia, o temor com o possível aumento da inflação no futuro e a percepção da excessiva valorização dos mercados desenvolvidos têm estimulado o investimento em ativos alternativos. Entre as opções disponíveis estão as commodities e ações de empresas negociadas em mercados emergentes.

Especificamente para o mercado brasileiro, o atual ambiente mundial é favorável à especulação com a queda do real em relação ao dólar e a aposta na alta do Ibovespa. Os motivos tem pouca relação com os fundamentos da economia do país. É possível lucrar no curto prazo, mas é preciso cautela.

Mercado, agora, compra o discurso do BC

No começo do ano, a aposta predominante era que o Banco Central (BC) iria aumentar a taxa Selic para conter a inflação. Entretanto, na reunião do comitê de política monetária (Copom) de janeiro, a decisão foi manter os juros básicos inalterados.

Houve muitas críticas à atuação do BC. O reflexo foi sentido no aumento da taxa dos títulos prefixados de longo prazo. A expectativa era que a inflação fosse disparar, apesar da argumentação da maioria dos diretores do BC sobre os efeitos da recessão econômica no repasse de preços.

Agora no começo de março, ocorreu mais uma mudança. As taxas de todos os títulos prefixados emitidos pelo Tesouro estão em patamar abaixo do que estavam em janeiro. O gráfico abaixo ilustra esses três momentos.

Mudança de mão

Relação entre juros e prazo de vencimento das LTNs

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Fonte: Tesouro Nacional

A linha azul do gráfico mostra a curva de juros representada pelas taxas das Letras do Tesouro Nacional (LTN) com vencimento em 1/10/2016, 1/4/2018 e 1/1/2010 no dia 7 de janeiro deste ano.

A linha verde une os mesmos vencimentos de LTNs conforme as cotações do dia 21 de janeiro, um dia após a contestada decisão do BC. As taxas dos papéis com vencimento em abril de 2018 e janeiro de 2020 aumentaram. A taxa do título com prazo de outubro de 2016 caiu.

Já a linha vermelha indica as taxas praticadas no dia 3 de março, o dia seguinte da segunda reunião do Copom do ano. Todos os vencimentos estão com taxas mais baixas.

Para o investidor, a lição do episódio é que o mercado é volúvel. Portanto, opiniões embasadas apenas nas flutuações das cotações de mercado precisam ser encaradas com cautela.

O tamanho da recessão de 2015 atestada pelo Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE) já estava no radar do BC, conforme indicava o índice IBC-BR. Para frente, vale a pena levar em conta os argumentos do Copom.

Inflação é uma grande preocupação em 2016

De acordo com os economistas de instituições financeiras, a inflação neste ano ficará perto dos 7%. Os especialistas são consultados regularmente e a média das previsões é divulgada toda segunda-feira no boletim Focus do Banco Central (BC).

Já para os consumidores entrevistados pela sondagem do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE), o aumento dos preços em 2016 será de 11%. A pesquisa abrange mais de 2.100 pessoas em sete das principais capitais do Brasil.

E para os operadores do mercado de renda fixa, a inflação média até 2020 será de 8,65% ao ano. Essa é a sinalização da diferença entre as taxas das Notas do Tesouro Nacional da classe F – prefixadas – e da classe B – indexadas ao IPCA –, com base nas cotações do fim da primeira semana de janeiro.

A discrepância dos números mostra que o BC terá um duro trabalho pela frente. Ancorar as expectativas e reduzir a inflação para perto do teto da meta exigirá habilidade e perseverança.

O investidor deve ficar atento aos movimentos e declarações da autoridade monetária, para, eventualmente, adequar a composição da carteira.

Segundo o economista Simon Porter, diretor do Fed (Federal Reserve, o banco central americano) de Nova York, é importante que os bancos centrais capturem as diversas expectativas para a inflação. Visão semelhante foi dada por Rob Ranyard, da Leeds University Business School, em apresentação na conferência de educação financeira e comportamento do investidor promovida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

De acordo com a escola econômica tradicional, estimar a variação dos preços em determinado período de tempo é tarefa relativamente simples. Basta reunir os números, desenvolver um modelo e fazer os cálculos. É assim que os economistas consultados pelo BC fazem as projeções.

O problema é que, cada vez mais, os estudos de economia comportamental vêm demonstrando que as pessoas não agem de maneira 100% racional. Na prática, para a formar as expectativas em relação ao aumento dos preços, outros fatores mais intuitivos são somados aos cálculos dos especialistas.

A percepção sobre o comportamento da inflação tem importância destacada para os não especialistas. Existem, basicamente, três componentes que influenciam essa intuição.

O primeiro é a experiência individual com o aumento de preços de produtos específicos. Para um motorista profissional, se o preço do combustível estiver constante, a percepção que ele tem a respeito da inflação tende a ser baixa. Já para o dono de uma pizzaria que vê o preço dos insumos subindo em ritmo elevado, a impressão é de inflação alta.

O segundo componente é a amplificação social da discussão sobre o aumento dos preços. No atual momento brasileiro, todas as atenções estão voltadas para o estouro da meta de inflação e as ações corretivas que serão tomadas pelo BC. Isso acaba chamando a atenção das pessoas para o problema, gerando um clima de apreensão.

O terceiro fator de impacto nas percepções é a inflação passada e, novamente, a atual situação brasileira serve de ilustração. Como a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi a maior em 13 anos, esse fato acaba contaminando as expectativas para o futuro.

Para complicar, o aumento dos preços de diferentes produtos raramente é equivalente, mesmo em períodos relativamente longos. Por exemplo, há pouco mais de oito anos, o preço do Big Mac era de R$ 6,40; o quilo do pão francês custava R$ 5,00; o litro da gasolina era vendido a R$ 2,43 e a tarifa do ônibus na cidade de São Paulo era de R$ 2,30.

Em termos percentuais, o aumento anualizado do Big Mac e do pão francês foi de 11% ao ano. A gasolina e a tarifa do ônibus subiram cerca de 6% ao ano.

De todo o modo, a inflação passada tem um impacto relevante sobre as expectativas para a inflação futura, especialmente entre o público em geral. O gráfico abaixo mostra a evolução da expectativa de inflação dos consumidores, conforme calculado pela FGV/IBRE, e a variação do IPCA nos 12 meses anteriores. As linhas são praticamente coincidentes.

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A inflação em si não é um problema, desde que os rendimentos acompanhem o ritmo de aumento dos preços. Isso tem acontecido com os salários e com os rendimentos das aplicações financeiras.

Os maiores prejudicados têm sido as atividades empresariais, que vêm sofrendo quedas expressivas no faturamento. A consequência têm sido a redução dos investimentos nas atividades produtivas e o aumento do desemprego.

A preocupação atual dos investidores é preservar as aplicações da corrosão ocasionada pela alta dos preços, sem correr riscos exagerados. E entender a estratégia do BC.

Contas externas em observação

Na segunda feira, dia 24 de março, está prevista a divulgação, pelo Banco Central (BC), dos números do balanço de pagamentos referente ao mês de fevereiro. É o documento no qual são contabilizadas as transações do Brasil com o resto do mundo.

Apesar do esperado déficit recorde de cerca de R$ 85 bilhões no período de 12 meses com despesas relacionadas ao pagamento de juros, dividendos e remuneração de serviços, as demais contas devem registrar saldos positivos expressivos. O resultado final é o aumento do saldo das aplicações em moeda estrangeira, contabilizado na conta de reservas internacionais no conceito caixa.

Os dados das reservas internacionais são divulgados em intervalos menores e os valores até 19 de março já estão disponíveis. Desde 31 de dezembro aumentaram em quase R$ 6 bilhões. Foi uma das maiores altas nos últimos meses e sinaliza que, talvez, a pior fase da crise de confiança do mundo com o Brasil pode ter ficado para trás.

No entanto, para voltar à situação anterior às turbulências, o BC precisa quitar as operações de swap cambial. São derivativos financeiros que representam um passivo equivalente a US$ 84 bilhões.

As barras do gráfico abaixo mostram a evolução das reservas internacionais, considerando as operações de swap do BC. A linha vermelha representa a cotação média mensal do dólar, conforme divulgadas no código Ptax.

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Para conter a alta do dólar o BC realizou diversos leilões de swap cambial a partir de junho de 2013. O recuo do dólar foi acompanhado pela redução das reservas internacionais, quando considerados os derivativos.

O desafio do BC é manter a cotação do dólar equilibrada e, ao mesmo tempo, reduzir o estoque de swaps no mercado. São dois indicadores que merecem um acompanhamento cuidadoso ao longo dos próximos meses.

Um BC mais ativo pode aumentar os riscos dos investimentos

A coluna do jornalista Cristiano Romero, do Valor, publicada no dia 19 de março, chama a atenção para o fato de o Banco Central (BC) brasileiro ter sido o que mais mudou a taxa básica de juros nos últimos três anos, na comparação com outros países.

Também foram mais alterações na taxa Selic do que nos dois mandatos anteriores, do presidente Lula. O ativismo, definitivamente, parece ser a marca do governo Dilma na economia.

O gráfico abaixo mostra que em 88% das vezes o comitê de política monetária (Copom) comandado por Alexandre Tombini decidiu modificar a taxa Selic que estava em vigor antes do encontro. Durante o período de Henrique Meirelles a mudança ocorreu em 66% das reuniões.

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Em economia, os exercícios para estimar o que teria acontecido se outras decisões tivessem sido tomadas são sempre sujeitos a erros e imprecisões. Portanto, é difícil apontar se o BC agiu da maneira mais eficiente.

Em finanças, os cálculos são significativamente mais fáceis. Basta avaliar o comportamento do preço histórico de um ativo e contabilizar os ganhos e perdas em diferentes momentos, tendo em vista as diversas decisões possíveis.
 
As simulações mostram que é mau negócio tentar entrar e sair do mercado frequentemente, visando potencializar os ganhos com a alta do preço dos ativos e evitar as perdas nos períodos de baixa. O melhor é definir uma estratégia e seguir os objetivos traçados.

Os fundamentos para a boa gestão da política monetária são completamente diferentes daqueles usados na administração dos investimentos. No entanto, uma coisa é certa: idas e vindas da taxa de juros aumentam a volatilidade e diminuem o apetite para o risco.

A consequência é que, para diminuir a incerteza, os investidores tendem a dar preferência para as aplicações atreladas à taxa Selic ou indexadas à inflação. Por esse ponto de vista, o ativismo atrapalha o desenvolvimento do mercado.