“Spoofing” e “layering”: as “fake news” do mercado

Pegar um taxi numa cidade que você não conhece, fazer compras num mercado de artesanatos ou ir numa feira livre em busca de produtos exóticos são atividades que sempre causam alguma insegurança.

Se depois da corrida, aquisição da peça ou preparo da iguaria você ficar com a sensação de que pagou muito mais caro do que o razoável pelo produto, a reação será a de evitar fazer novas transações naqueles lugares. Se outras pessoas passarem pela mesma situação, a consequência é que os negócios não irão prosperar.

Em contrapartida, se a experiência tiver sido positiva e a percepção de que o tratamento foi adequado, existirá uma alta probabilidade de que o volume de transações aumente ao longo do tempo. A propaganda boca a boca tem papel fundamental para estabelecer a fama dos locais.

O mercado secundário de ativos financeiros possui uma lógica semelhante. Ao solicitar a cotação para um título, você espera que o valor oferecido seja o justo, de acordo com aquela situação específica.

Oscilações de preço fazem parte da dinâmica e será sempre possível, ao analisar uma determinada operação em retrospectiva, encontrar um melhor momento de compra ou de venda. O que importa é a percepção de que o tratamento dado para a transação foi adequado.

Um mercado de capitais sólido é fundamental para o desenvolvimento do país. A possibilidade de tomadores de recursos acessarem diretamente os investidores reduz os custos da intermediação financeira e democratiza o acesso às transações mais lucrativas.

Hoje em dia, por exemplo, o setor de fundos de investimento oferece uma alternativa simples, barata, segura e eficiente, do ponto de vista da diversificação, para o investidor que queira montar uma carteira de títulos públicos. É uma operação de baixo risco e muita liquidez.

Se os fundos não existissem, seria necessário recorrer à intermediação bancária para acessar os mesmos ativos. Como os bancos adotam a norma de vincular o preço do serviço prestado ao volume financeiro do cliente, para a maioria dos investidores a transação sairia mais cara.

Além disso o fundo tem como característica a cobrança de uma comissão fixa sob a forma de taxa de administração descrita no regulamento. As transações bancárias envolvem o ganho com a diferença entre o preço de compra e o de venda chamado de “spread”, que é um custo pouco transparente.

Para o Tesouro Nacional, tomador dos recursos e administrador da dívida pública do governo, também é vantajoso acessar o mercado por meio das carteiras. Isso porque aumenta a base de investidores e captura informações importantes sobre a demanda dos títulos.

O mercado financeiro em geral e a bolsa de valores em particular não são um jogo de dados viciados, conforme explicou Isac Silveira da Costa, analista da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em apresentação na 5ª edição da Semana Nacional de Educação Financeira (Semana Enef).

Entretanto algumas práticas podem provocar conflitos de opiniões com o órgão regulador. Isso porque, em determinadas situações, os operadores e investidores podem se valer de alguns blefes e artimanhas para executar estratégias para obter o melhor resultado possível.

Considere, por exemplo, que você queira comprar dólares para viajar. Se decidir sentar na mesa do gerente do seu banco e explicar a situação em pormenores, é provável que receba a cotação mais alta para a compra da moeda.

Nessa situação é recomendável disfarçar a real intenção, dissimular o interesse, sondar as alternativas e pesquisar outras instituições antes de fechar a operação.

No mercado financeiro, o equivalente das “fake news” das redes sociais é a manipulação das ordens nas bolsas de valores. Desde o advento das negociações eletrônicas e das transações de alta frequência (HFT, na sigla em inglês), as possibilidades de fraudes no mercado atingiram um novo patamar.

Situações semelhantes à criação de condições artificiais de preço podem ser conseguidas por meio da manipulação da colocação de ordens eletrônicas. No jargão de mercado, essas atividades são chamadas de “spoofing” ou “layering”.

Para entender, considere que um operador tenha interesse em vender dólares no mercado futuro. Para aumentar a cotação, uma estratégia de HFT é colocar uma ordem de compra de um grande volume com preço pouco abaixo da melhor ordem de venda.

Outros operadores que precisam comprar dólares, mas estavam esperando o preço cair até atingir o nível desejado, podem se assustar com o volume dessa ordem falsa e correr para fechar os negócios. A consequência é o aumento do preço de compra que estão dispostos a pagar.

Como as ordens são colocadas e canceladas em um ritmo frenético, a apuração de atividades efetivamente ilícitas não é tarefa simples.

O aspecto positivo para o investidor é o interesse da CVM em acompanhar de perto a evolução do mercado. Acena para a transparência e lisura das transações.