Em várias transações comerciais, é perfeitamente aceitável que a remuneração do intermediário seja estabelecida na forma de uma comissão proporcional ao montante pago pelo comprador ao vendedor.
Um caso típico é o valor da corretagem nos negócios com imóveis. Ou a comissão recebida pelo vendedor de automóveis. Nesses casos, é raro haver questionamentos sobre eventuais conflitos de interesses.
Boa parte dos serviços financeiros envolve a intermediação entre partes interessadas em uma transação. Assim, o pagamento de comissões vinculadas ao montante negociado é frequente. A diferença é que, algumas vezes, isso ocorre de forma indireta.
Especificamente no segmento de fundos de investimento, a taxa de administração da carteira possui uma dupla finalidade. Serve para remunerar tanto a atividade de gestão dos ativos quanto o trabalho envolvido na distribuição de cotas e orientação aos clientes.
Do ponto de vista pragmático, o investidor tem à disposição diversas formas de aplicação. Cada modalidade possui determinada característica de risco e retorno. Cabe ao profissional financeiro selecionar as alternativas e indicar as melhores opções ao cliente, dado um determinado objetivo de investimento e um horizonte de tempo.
Como consequência da estrutura de remuneração com base no valor da transação, a lógica do corretor de imóveis, do vendedor de automóveis e, muitas vezes, do distribuidor de produtos financeiros acaba sendo a mesma: é mais rentável negociar o produto mais caro do que o mais barato.
Existe um atenuante, no entanto. Como a regra de bolso estabelece que o preço é diretamente proporcional à qualidade, pode não haver conflito entre os interesses do vendedor e do cliente se o negócio envolver a alternativa mais cara. A justificativa é que, simplesmente, o cliente comprou o melhor produto.
Mas é preciso cautela. A regulamentação separa as atividades dos intermediários financeiros conforme dois padrões de atuação.
O padrão fiduciário é quando os agentes das instituições financeiras agem conforme os melhores interesses dos clientes. Já o padrão de adequação é quando os profissionais financeiros possuem uma base razoável para acreditar que a transação recomendada é adequada para o cliente.
No segmento de administração de recursos, o padrão fiduciário é adotado para as atividades que envolvem a gestão dos fundos de investimento. O padrão de adequação é usado para regulamentar os negócios de distribuição de produtos financeiros.
O padrão fiduciário estabelece controles rígidos para o que pode e o que não pode fazer parte da carteira de um fundo. Por exemplo, devem ser claramente estabelecidos os percentuais máximos de ativos emitidos por companhias privadas, a estratégia para utilização dos instrumentos negociados no mercados futuros, opções e demais derivativos ou o montante dos ativos negociados no exterior.
O padrão de adequação obriga a instituição financeira a fazer uma avaliação do perfil do investidor e manter uma classificação de todos os produtos oferecidos. A exigência é que os produtos vendidos ao investidor sejam coerentes com o perfil de risco aferido.
O mercado de fundos de investimento vem passando por transformações importantes. Basicamente, existem duas maneiras de fazer a administração de recursos. Uma chamada de gestão ativa e outra conhecida como gestão passiva.
Na gestão ativa, o objetivo é encontrar as alternativas que podem proporcionar os maiores retornos dado as expectativas para os cenários futuros. Na gestão passiva a meta é simplesmente indexar a carteira a um determinado indicador de mercado.
Uma tendência global aponta para a redução do montante de recursos administrados na forma de gestão ativa e o crescimento do volume financeiro dos fundos com gestão passiva. Isso porque a relação entre o retorno e o risco da gestão ativa não tem se mostrado favorável e o custo da gestão passiva é significativamente mais baixo.
Como consequência, a margem para pagamento de rebates de taxa de administração para remunerar a distribuição de fundos vem diminuindo. A expectativa, então, é que a cobrança direta pela assessoria financeira aumente.
A aquisição da XP pelo Itaú Unibanco reforça uma tendência de separação das atividades de produção e distribuição de produtos financeiros. Falta ainda, no mercado brasileiro, o crescimento de uma atividade de assessoria financeira independente.
O negócio de distribuição de produtos financeiros caminha para se transformar numa atividade com padrão fiduciário, na qual os interesses dos clientes serão claramente colocados como prioridade. Até lá, é prudente que o investidor mantenha a devida cautela com as recomendações de investimento dos distribuidores.