A dificuldade para estabelecer cenários

A coluna da jornalista Claudia Safatle, do Valor, descreve a estratégia eleitoral da presidente Dilma. Em resumo, o objetivo da campanha é focar nas generalidades.

A ideia é carimbar de neoliberais as propostas de Aécio e taxar de preservacionistas as políticas de Marina. É uma postura que pode até ser eficiente para ganhar as eleições, mas deixa os investidores no escuro.

A economia brasileira dá sinais de que perdeu o dinamismo. O crescimento está zerado e a inflação é uma ameaça recorrente, devido à necessidade de reajuste dos preços de bens e serviços administrados pelo governo.

A consistência dos estímulos fiscais são invariavelmente questionados em função da falta de transparência das contas públicas. A contabilidade criativa impede a análise mais precisa dos efeitos das desonerações de tributos e empréstimos subsidiados.

O aumento do consumo das famílias devido à elevação da renda e do maior acesso ao crédito parece ter atingido um limite. E as medidas que poderiam aumentar a produtividade, visando manter a trajetória de crescimento dos salários, ficam distantes de qualquer debate.

O ponto positivo da atual política econômica é que a redução do crescimento pode implicar queda da inflação e, consequentemente, dos juros. Nesse ambiente, os títulos prefixados podem proporcionar bons ganhos.

Se o governo sinalizasse que decidiu enfrentar as consequências do reajuste dos preços administrados e assumisse o compromisso divulgar as contas públicas sem grandes malabarismos contábeis, o ganho de credibilidade seria alto. Haveria um otimismo que poderia impactar positivamente o preço dos ativos financeiros.

No mundo ideal, seria mais democrático que os assuntos espinhosos fossem debatidos abertamente. No mundo real, dominado por teorias conspiratórias, a desconfiança sobre o que o governo realmente poderá fazer acaba proporcionando todo tipo de especulação no mercado financeiro.

Contraditoriamente, a oscilação frenética do preço dos ativos financeiros pode ser favorável ao governo, do ponto de vista eleitoral. Entre as generalidades, uma imagem forte é atrelar a queda do preços das ações ao boicote dos ricos contra o governo Dilma.

Segundo o Datafolha, 44% dos eleitores possuem renda familiar de até dois salários mínimos. Nesse grupo, o apoio à presidente Dilma é de 43%.

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Nas próximas pesquisas eleitorais, será fundamental acompanhar as intenções de voto dos eleitores com renda familiar mais baixa. Se a presidente Dilma continuar em vantagem, a estratégia de debater generalidades será intensificada e traçar cenários financeiros ficará cada vez mais difícil. As decisões de investimento no momento não são simples.

Aposta de risco na vitória da oposição

Apostar na vitória da oposição para lucrar com a bolsa é uma estratégia arriscada. Desde 2006, existe uma marcante divisão da intenção de voto dos brasileiros de acordo com a faixa de renda do eleitor.

Segundo as pesquisas de opinião realizadas pelo Ibope, tanto em 2006 quanto em 2014 o candidato de oposição vence nos segmentos de renda mais alta, mas perde no grupo de menor poder aquisitivo. A popularidade do concorrente da terceira via não muda o quadro.

O gráfico abaixo compara as intenções de voto de quatro postulantes, em períodos diferentes, nas eleições de 2006 e 2014. Existe uma relação entre a renda familiar do eleitor (no eixo horizontal) e a popularidade do candidato (no eixo vertical).

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Tanto Alckmin em 2006 tanto Aécio em 2014 tinham mais votos do que Lula em 2006 e Dilma em 2014 entre os eleitores mais ricos. Na faixa de renda acima de cinco salários mínimos (SM), os oposicionistas possuíam 38%-41% de intenção de votos, contra 23%-29% dos governistas.

Quanto menor a renda do eleitor, maior a popularidade do candidato governista. No extremo oposto, entre os que ganham menos de um salário mínimo, Lula e Dilma marcavam 50%-53% das preferências, contra apenas 13%-17% de Alckmin e Aécio.

O levantamento de 2006 foi feito em setembro, na véspera do primeiro turno da eleição. Os números de 2014 são de agosto, antes do início da propaganda eleitoral gratuita.

A última pesquisa do Ibope aponta que 12% dos entrevistados possuem renda familiar acima de cinco salários mínimos, 35% entre dois até cinco, 33% entre um até dois e 14% ganham até um salário mínimo. Cerca de 6% não responderam.

Parece mais prudente apostar na alta da bolsa em razão dos fundamentos das empresas do que pela possibilidade de vitória da oposição.

Preço dos imóveis e bolhas financeiras

Mais linhas de crédito, queda dos juros e aumento da renda da população foram os fatores que impulsionaram a alta do preço dos imóveis no Brasil nos anos recentes.

O Boletim Regional do Banco Central (BC) de abril de 2014, ao analisar o mercado de São Paulo, comparou os índices gerais de valorização imobiliária com os indicadores que refletem o custo da construção. O resultado impressiona.

Em todos os anos entre 2006 e 2013, o IVG-R, parâmetro calculado pelo BC para medir o comportamento do valor de mercado dos imóveis, teve alta superior ao Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). No total, a diferença foi grande.

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O aumento acumulado do IVG-R no período foi de 3,6 vezes. Já a variação do INCC não chegou a dobrar, limitando a valorização em 70% no intervalo.

Uma das conclusões implícitas nos números é que, na média, a prática de comprar um imóvel na planta, arcar com as despesas de construção e vender após algum tempo proporcionou bons lucros. A valorização do ativo compensou os gastos durante o período de obras.

A relativa facilidade com que essa estratégia de investimento pode ser posta em prática provoca, recorrentemente, a discussão sobre a possível existência de uma bolha no mercado imobiliário. E nos momentos em que os preços deixam de subir no ritmo que vinham aumentando, como agora, o desconforto se acentua.

O saldo da carteira de financiamento imobiliário das instituições financeiras brasileiras cresceu cerca de 50% ao ano desde 2007. É uma sinalização que muitos podem ter usado o bom momento do mercado para tentar alavancar os ganhos, contraindo empréstimos. Em vez de usar capital próprio para comprar um imóvel em construção, por exemplo, a alternativa seria completar o investimento por meio da contratação de um financiamento. Com mais recursos financeiros disponíveis, seria possível comprar dois ou três imóveis adicionais, elevando o potencial de lucro.

Além disso, os juros caíram acentuadamente no período. Significa que o custo financeiro diminuiu e, entre outras consequências, a opção de esperar pelo melhor momento para fazer uma venda ficou mais interessante. Um mercado nessas condições poderia sinalizar para a existência de uma bolha. Tudo funcionaria bem se os preços sempre continuassem subindo. Se recuassem, a estratégia inicialmente planejada teria que ser obrigatoriamente revista.

As bolhas financeiras, invariavelmente, estouram e provocam diversos efeitos nocivos. O BC está atento ao risco, especificamente no setor imobiliário. No Relatório de Estabilidade Financeira de março de 2014, um estudo buscou prever os efeitos de uma eventual queda do preço dos imóveis para o sistema financeiro e concluiu que os riscos são bem pequenos.

A premissa, justificada com diversas simulações, é que a relação entre o montante dos financiamentos habitacionais e o valor de mercado dos imóveis (LTV, na sigla em inglês) é baixa. Dessa forma, o risco de uma crise mais séria é muito reduzido. No caso de aumento generalizado da inadimplência, avalia o BC, as garantias bancárias seriam suficientes para cobrir prejuízos, mesmo com uma queda mais acentuada dos preços. Os bancos estariam seguros.

Outra razão para descartar a hipótese de bolha é o aumento da renda média da população. Os dados do BC apontam para o aumento sistemático da massa salarial desde 2006, sempre acima de 9% ao ano.

Ao avaliar os números, a interpretação é que a alta de preço dos imóveis refletiu uma mudança do padrão de desenvolvimento da economia brasileira. Com mais pessoas recebendo rendimentos maiores e o crédito mais fácil, o aumento dos preços teria sido uma consequência natural.

O processo de urbanização da população também justifica o crescimento da demanda por imóveis. O físico Geoffrey West, por exemplo, desenvolveu um modelo estatístico para prever o comportamento das cidades. Para o pesquisador, as grandes aglomerações urbanas acabam desenvolvendo uma dinâmica própria e, de maneira intrínseca, acabam atraindo populações cada vez maiores. O objetivo dos modelos é tentar descobrir o que rege essa dinâmica.

Talvez seja um uma explicação mais elaborada para o famoso mote dos corretores imobiliários que dizem que a localização é o aspecto mais importante para escolher um imóvel. De fato, algumas regiões concentram as transações mais valiosas.

Todas as análises sobre o mercado imobiliário, seja do ponto de vista financeiro quanto urbanístico, não apontam possíveis direções para o preço dos imóveis. Ainda que, como avalia o BC, estejamos longe de uma bolha, isso não significa que o ritmo recente do aumento dos preços irá continuar.

Houve, de fato, mudanças importantes no padrão da economia brasileira, com mais pessoas, agora com rendimentos maiores, podendo comprar um imóvel. Em contrapartida, a taxa de valorização dos preços acentuadamente maior do que a variação do custo da construção não parece ser sustentável – mesmo levando em conta o poder de atração das grandes cidades. O mais provável é que um novo ponto de equilíbrio seja alcançado.

Postalis: mais um esclarecimento

Nos último 13 meses, o Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, publicou nove notas de esclarecimento a respeito de reportagens que trataram da carteira de investimentos da instituição.

As explicações abordaram temas como investimentos nos bancos BVA e Cruzeiro do Sul, participação no projeto de formação de uma nova bolsa, aplicações nas empresas do Grupo X, relacionamento com as empresas de gestão de recursos DTW e Atlântica e, mais recentemente, esclarecimentos sobre perdas com títulos da Argentina.

Seria um assunto restrito aos administradores do fundo e aos participantes do plano de previdência caso o benefício de aposentadoria dos funcionários não fosse garantido pelos Correios, uma empresa estatal. Na hipótese de os ativos do Postalis não serem suficientes para pagar as aposentadorias, a conta irá para o Tesouro Nacional.

Hoje, o fundo tem um déficit de cerca de R$ 1 bilhão. É a diferença entre o valor presente das obrigações futuras com o pagamento dos benefícios dos empregados e o valor de mercado das aplicações financeiras.

Segundo os esclarecimentos do Postalis, esse déficit não tem relação com os riscos dos investimentos discutidos nas reportagens.

Com a queda das taxas de juros reais (acima da inflação) no mercado local, o valor presente dos compromissos assumidos pelos fundos de pensão brasileiros subiu. A outra face da moeda é que a rentabilidade das aplicações financeiras caiu, em relação à inflação. Foi essa a razão do déficit.

É preciso, portanto, buscar uma solução para operar nesse novo ambiente econômico.

Talvez a diretoria do Postalis pudesse se inspirar nos ensinamentos de Warren Buffett, considerado o investidor mais bem sucedido do mundo.

Segundo o Buffett, a regra número um para ter sucesso na gestão de recursos financeiros é não perder dinheiro. E a regra número dois é sempre se lembrar da regra número um.

Agindo dessa forma, os administradores da Postalis poderiam, no mínimo, economizar nas notas de esclarecimento. E os contribuintes brasileiros poderiam dormir um pouco mais tranquilos, sabendo que os funcionários dos Correios estariam com as aposentadorias garantidas.

Juros: cortar, subir, manter

No espaço de pouco mais de uma semana, o Valor publicou, com destaque, três matérias explicando as razões para o Banco Central (BC) adotar diferentes estratégias para a taxa Selic.

Inicialmente, Cristiano Romero analisou o motivos que justificariam o corte dos juros. Depois, Claudia Safatle elencou os fatores que fundamentariam a alta. Finalmente, Alex Ribeiro, relatando entrevista com o diretor de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos do Banco Central Luiz Awazu, mostrou os argumentos para manter a Selic estável. Há tempo não se viam opiniões tão contraditórias.

A atual diretoria do BC possui um estilo que, no jargão dos administradores de recursos, poderia ser identificada como “gestão ativa”. O padrão é alterar frequentemente a taxa básica a cada reunião do Comitê de Política Monetária.

Também tem a reputação de não esperar a formação de consensos para tomar as decisões. A consequência é a surpresa com algumas deliberações, o que gera acalorados debates, além de lucros e prejuízos nas posições dos investidores mais agressivos.

O BC tem usado a flexibilidade do regime de metas de inflação a seu favor. Na gestão atual, nunca o IPCA acumulado no período móvel de 12 meses consecutivos foi igual ou menor do que 4,5%, o centro da meta.

Em contrapartida, nos anos de 2011, 2012 e 2013 a inflação fechou abaixo do teto anual estabelecido pelo governo, de 6,5%. E, ao que tudo indica, isso voltará a ocorrer em 2014.

Para o investidor em papéis de renda fixa, o cenário tem sido desafiador. Os títulos de longo prazo têm tido forte oscilação de rendimentos.

Como a aplicação em ativos prefixados envolve riscos, o ideal é que as taxas tenham alguma margem em relação à Selic. É o que tem acontecido desde que o BC começou a elevar os juros, conforme mostra o gráfico abaixo.

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A perspectiva de que o BC poderia reduzir a Selic mais cedo do que era originalmente estimado provocou efeitos. Na última semana houve reviravolta na tendência dos juros prefixados.

Depois de atingir a cotação mínima de 11,16% ao ano no dia 23 de julho, a taxa da Letra do Tesouro Nacional (LTN) com vencimento em janeiro de 2017, por exemplo, voltou a subir. Agora, com a possibilidade de a Selic ficar estável, a tendência é de mais oscilações no curto prazo.

Esse clima de incertezas pode proporcionar boas oportunidades, apesar dos riscos. O ideal é que o investidor permaneça atento às constantes mudanças de cenário e defina uma estratégia para guiar suas ações.