O desafio de virar o jogo rapidamente

Diversos erros na condução da economia foram cometidos no primeiro mandato da presidente Dilma e resultaram na atual difícil situação por que passa o país. Atualmente convivemos com juros altos, inflação elevada e nível de atividade em baixa.

A nova equipe econômica diagnosticou que é preciso cortar gastos do governo e aumentar a receita com impostos para reequilibrar as contas públicas. O principal objetivo das novas medidas é diminuir a taxa de crescimento do estoque de títulos públicos em circulação e, assim, a relação entre o total da dívida do Tesouro e o PIB.

A esperança é que um governo mais enxuto, comprometido em executar apenas gastos compatíveis com a arrecadação corrente,
poderia restabelecer a confiança de empresários e consumidores. No renovado cenário, a inflação recuaria e interromperia a queda do
poder de compra da população.

Isso poderia viabilizar, num futuro não tão distante, a queda dos juros e, como consequência, estimularia novamente o consumo. Provavelmente essa situação ideal detonaria uma nova rodada de investimentos nas atividades produtivas.

No passado, o excesso de manipulação das contas públicas por meio de artifícios que ficaram conhecidos como “contabilidade criativa” e “pedaladas fiscais” foi um importante fator que contribuiu para minar a credibilidade do governo para estabelecer metas e prioridades. Além disso, a combinação entre o estímulo dos gastos das famílias e a perspectiva de desvalorização do real não funcionou como esperado. O objetivo era criar um ambiente favorável à indústria nacional, o que não aconteceu.

Um dos efeitos colaterais da política implementada no passado foi o aumento do déficit das contas externas. Os dados mais recentes divulgados pelo Banco Central (BC), conforme a metodologia da sexta edição do manual de balanço de pagamentos e posição de investimento internacional (BPM6), apontam para um déficit recorde de mais de US$ 50 bilhões na balança comercial e de serviços nos últimos 12 meses.

O desafio da atual equipe econômica é refazer a orientação anterior o mais rapidamente possível para evitar que o país entre em crise. Mas existem diversos obstáculos. Para começar, é preciso encontrar um substituto para o principal motor da política que combinava expansão do crédito e redução forçada dos juros.

A ilusão de que esse arranjo era uma fonte inesgotável de crescimento econômico estimulou um certo descaso com as reais necessidades de investimentos na infraestrutura da economia brasileira.

Adicionalmente, é fundamental encontrar uma saída para reduzir os incentivos setoriais sem causar grandes impactos sociais. E, finalmente, é imperativo cuidar dos efeitos dos reajustes dos preços administrados pelo governo, tais como energia elétrica e combustíveis, que foram represados anteriormente.

Para o investidor, o principal reflexo das incertezas atuais é o fato de as taxas de juros prefixadas para prazos longos ainda continuarem em nível elevado, na faixa de 13% ao ano. No Tesouro Direto, sistema de negociação de títulos públicos pela internet, papéis prefixados com vencimento em 2017 e 2018 continuam sendo negociados com taxa semelhante ao que era praticado no começo de 2014.

Significa que, mesmo com o aumento da taxa Selic em seis pontos percentuais no longo período que vai de abril de 2013 até hoje, as medidas adotadas pelo governo ainda não convenceram os investidores de que a tendência da inflação é para baixo. Caso a expectativa fosse de queda dos índices de preços, os juros dos papéis mais longos estariam menores.

De todos os indicadores coletados pelo BC e divulgados no boletim Focus, o que tem causado maiores preocupações é a projeção para o PIB. O gráfico abaixo mostra a mediana das expectativas para o crescimento da economia desde 2011. A linha azul indica a evolução das projeções para o ano corrente. A linha laranja mostra as previsões para o ano seguinte.

ExpectPIB

No início de 2011, a mediana das estimativas para a expansão do PIB do ano era de 4,5%. Na mesma época, a mediana das projeções para 2012 também estava em 4,5%. Ao longo do ano as projeções são revistas. Em dezembro, a expectativa passou a indicar crescimento de 2,9% para 2011 e de 3,4% para 2012.

O ponto preocupante é que, sistematicamente, as projeções para crescimento econômico estão sendo revistas para baixo. Hoje os especialistas esperam contração de 1% no PIB em 2015 e crescimento de 1% em 2016. As projeções são um reflexo da dificuldade do governo em implantar uma política econômica consistente com o crescimento de longo prazo.

As divergências políticas imediatas acabam, invariavelmente, favorecendo ações incompatíveis com as reformas necessárias para fazer a economia deslanchar. Entretanto, mesmo com a atual desconfiança de parte do governo em relação às propostas do ministro Joaquim Levy, a expectativa é que o aprofundamento da recessão torne os ajustes mais fáceis de serem postos em prática. Assim, investir em títulos prefixados não parece uma opção ruim, apesar dos riscos.

Se houver um mínimo de consenso sobre a necessidade de tirar o país da recessão, os ajustes tendem a ser mais rápidos.

A promessa do ajuste fiscal

O crescimento da dívida pública interna foi de 20% nos últimos 12 meses. O estoque de papéis no mercado, somado com as operações compromissadas do Banco Central (BC), atingiu o impressionante valor de R$ 3,2 trilhões em março deste ano.

Reduzir o atual ritmo de aumento do endividamento parece ser a prioridade do ajuste fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Se o setor público for capaz de equilibrar receitas e despesas, a necessidade de financiamento irá cair e a dívida poderá se estabilizar, ainda que em nível elevado.

O equilíbrio fiscal é importante porque, quanto menor a relação entre o passivo do governo e o tamanho da economia do país, maior será a confiança dos investidores nos títulos públicos em circulação. Atualmente a dívida bruta do governo representa 65,5% do PIB.

Em termos mais pragmáticos, o menor endividamento possui impacto positivo para a avaliação do Brasil nas análises elaboradas pelas agências internacionais de classificação de risco. O pior que pode acontecer no curto prazo é o rebaixamento da nota.

Isso porque, do ponto de vista do investidor estrangeiro, há dois principais indicadores que justificam as aplicações no país. Um deles é o grau de investimento e o outro, o montante de reservas internacionais, atualmente próximas a US$ 370 bilhões.

Os estrangeiros carregam mais de R$ 400 bilhões em títulos públicos e são responsáveis por cerca de 50% do movimento de ações na Bovespa. Eventual piora do risco-país, combinada com uma deterioração acentuada das contas externas, pode detonar um reposicionamento das carteiras e causar impactos significativos na economia local.

A situação exige cautela. Em audiência pública na Câmara dos Deputados, Levy alertou para a possibilidade de estarmos vivenciando o fim de um ciclo de alta do preço das commodities no mercado internacional. A consequência para o país poderia ser a redução do fluxo de entrada de dólares provenientes das exportações de matérias primas.

Em contrapartida, explicou Levy, desde meados de 2008, quando o Brasil atingiu o grau de investimento, houve aumento significativo do volume de investimentos estrangeiros diretos – o que ajudou a consolidar a confortável posição em reservas internacionais detidas atualmente.

Em linhas gerais, Levy explicou que o ajuste fiscal defendido pelo governo envolve corte de alguns benefícios sociais, eliminação de desonerações tributárias e aumento de impostos. A promessa é preparar o país para um novo cenário econômico.

Mas, dado o atual clima de disputa política, o maior risco enfrentado pelo Ministério da Fazenda é acirrar um ambiente de falta de cooperação entre BC e governo. Os diretores da autoridade monetária e os políticos recorrentemente divergem sobre a responsabilidade dos ajustes.

Com a inflação anualizada beirando 12% ao ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) tem promovido uma série de ajustes na taxa Selic. Os juros básicos saíram do patamar de 11% ao ano, que vigorou até 29 de outubro do ano passado, para os atuais 13,25% ao ano.

Esse aumento provocou uma saraivada de críticas dos políticos, especialmente porque os ajustes da Selic foram interrompidos no período eleitoral. O questionamento mais contundente envolve a falta de empenho do BC em agir para eliminar todo o surto inflacionário.

Segundo o argumento, se o Copom não tivesse interrompido a alta de juros durante o intervalo, que começou em abril de 2014 e foi até o término do período eleitoral, o custo do ajuste hoje seria mais baixo.

Disputas entre políticos e o BC não são novidade. A diferença é que, no passado, havia um árbitro no Executivo para resolver as divergências. Hoje, as soluções dos conflitos envolvem duras negociações. A promessa do ministro Levy é que o esforço presente será recompensado no futuro. Mas, por enquanto, os mercados apontam que os benefícios ainda estão distantes.

Os gráficos abaixo ilustram a curva de juros em dois momentos diferentes, usando como parâmetros o resultado dos leilões de títulos públicos realizados pelo Tesouro. A linha azul tem como base os papéis comercializados nos dias 5 e 10 de março de 2015 e a linha laranja indica o resultado das vendas efetuadas nos dias 22 e 30 de abril. O painel da esquerda compara as curvas dos títulos prefixados. O da direita, por sua vez, mostra as taxas dos papéis indexados à inflação.

ArteAjusteFiscal

Entre março e abril, houve um deslocamento para cima na curva de juros dos títulos prefixados, indicando uma deterioração nas expectativas. A Letra do Tesouro Nacional (LTN) para julho de 2017, por exemplo, foi arrematada no leilão de 5 de março com juros médios de 13,11% ao ano. Na venda de 30 de abril, o mesmo papel foi vendido com taxa média de 13,33%.

Já em relação aos títulos indexados ao IPCA houve inversão das curvas. A Nota do Tesouro Nacional da série B (NTN-B) para maio de 2023 foi vendida no leilão de 10 de março com taxa de 6,48% ao ano. O mesmo papel em 22 de abril pagou juros de 6,32% ao ano.

As próximas semanas serão fundamentais para avaliar a habilidade do ministro Levy em construir um consenso a respeito do ajuste fiscal. Nesse meio tempo, as apostas no mercado de juros estão abertas.