Superprevisões para o mercado financeiro brasileiro

Qual a probabilidade de que a inflação no Brasil em 2017 seja 4,5%? O número foi estabelecido como meta pelo novo presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, em entrevista ao Valor.

A resposta a essa pergunta é importante para o investidor. No ano passado, para efeitos de comparação, a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 10,67%, quase o triplo da cifra proposta.

Como consequência, uma aplicação com rentabilidade contratada equivalente ao IPCA acrescida de juros de 6% ao ano, por exemplo, proporcionou ganhos de 17,3% em 2015. O rendimento foi significativamente superior ao retorno do certificado de depósitos interfinanceiros (CDI), que acumulou alta de 13,23% no mesmo período.

Mas se a previsão do presidente do BC se confirmar, o ganho dessa mesma aplicação cairá para 10,8% em 2017. Talvez fique abaixo do CDI, que já acumula alta no ano de 13,9%, em termos anualizados.

Neste contexto, qual o peso deve ser dado ao prognóstico do presidente Goldfajn? Será que a declaração é suficiente para motivar a mudança da composição da carteira do investidor?

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Previsões são fundamentais para a tomada de decisões e o psicólogo Philip Tetlock estuda o assunto desde 1984. É dele o estudo que embasou a piada de que um chimpanzé lançando dardos é tão eficiente quanto as estimativas da maioria dos especialistas.

Entretanto, a pesquisa de Tetlock revelou que, de fato, algumas pessoas possuem capacidade destacada de acertar as previsões. Os motivos que diferenciam a atuação desses “superprevisores” foram dissecadas no livro “Superprevisões – A arte de antecipar o futuro”, lançado recentemente.

Um primeiro aspecto é definir com clareza o que está sendo previsto. Exatamente como fez o presidente do BC. Isso porque afirmações muito amplas podem gerar interpretações elásticas.

Para ilustrar esse ponto, Tetlock recorre ao que se convencionou chamar de uma uma das piores previsões tecnológicas da história. Em 2007, o então presidente da Microsoft Steve Ballmer afirmou que não existia a menor chance de o IPhone obter uma fatia significativa do mercado.

Para defender o prognóstico, Tetlock recupera a declaração completa. Ballmer disse que o IPhone era um item subsidiado em US$ 500 e que talvez a Apple pudesse ganhar muito dinheiro. Mas, num mercado de 1,3 bilhão de aparelhos, preferia ter seu software em 60% a 80% deles do que ter em 2% ou 3%, que é o que a Apple deveria conseguir.

Considerando o mercado mundial de celulares em 2013, e não apenas os smartphones, a participação da Apple era de aproximadamente 6%. Não tão distante, portanto, do previsto por Ballmer. E o presidente da Microsoft nunca disse que o IPhone seria um fracasso. De fato, até afirmou que a Apple poderia ter lucros expressivos.

A possibilidade de defesa de uma previsão tão equivocada realça que, para fazer sentido, as afirmações sobre o futuro devem ser específicas. Prognósticos muito amplos tais como o dólar tende cair ou a bolsa pode subir não têm como serem mensurados objetivamente. Portanto possuem pouco valor para efeito de previsões.

Outra característica que diferencia os “superprevisores” é a habilidade de evitar as chamadas armadilhas cognitivas. Usando o arcabouço desenvolvido por Daniel Kahneman, um influente estudioso do processo de decisão, Tetlock buscou entender a forma como as melhores previsões foram atingidas.

Existem dois sistemas que comandam nossa forma de pensar e agir. O sistema 1 é responsável por avaliar rapidamente a situação e indicar uma ação instantânea. Por exemplo, se você está na selva africana e vê movimentação atrás da vegetação, a reação automática é se afastar de um potencial perigo.

O sistema 2 é responsável por análises mais lentas e profundas, a despeito da complexidade da situação. Se somos confrontados com um problema para calcular o preço de dois itens sabendo o valor da soma de ambos e o quanto um custa a mais do que o outro, precisamos montar e resolver um sistema de equações.

As armadilhas cognitivas ocorrem porque precisamos usar cada um dos sistemas para lidar com cada tipo de problema. Apelar para o sistema 2 numa situação de perigo é quase sempre fatal. E contar com o sistema 1 para resolver problemas elaborados é a receita para erros. O melhores previsores trafegam bem nesse terreno.

No entanto, Tetlock identificou que existem situações nas quais o objetivo de fazer previsões não é enxergar o que está por vir. É promover os interesses do previsor e sua turma.

Algumas vezes, mais importante que acertar, o objetivo da previsão é animar a tropa.

Inflação é uma grande preocupação em 2016

De acordo com os economistas de instituições financeiras, a inflação neste ano ficará perto dos 7%. Os especialistas são consultados regularmente e a média das previsões é divulgada toda segunda-feira no boletim Focus do Banco Central (BC).

Já para os consumidores entrevistados pela sondagem do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE), o aumento dos preços em 2016 será de 11%. A pesquisa abrange mais de 2.100 pessoas em sete das principais capitais do Brasil.

E para os operadores do mercado de renda fixa, a inflação média até 2020 será de 8,65% ao ano. Essa é a sinalização da diferença entre as taxas das Notas do Tesouro Nacional da classe F – prefixadas – e da classe B – indexadas ao IPCA –, com base nas cotações do fim da primeira semana de janeiro.

A discrepância dos números mostra que o BC terá um duro trabalho pela frente. Ancorar as expectativas e reduzir a inflação para perto do teto da meta exigirá habilidade e perseverança.

O investidor deve ficar atento aos movimentos e declarações da autoridade monetária, para, eventualmente, adequar a composição da carteira.

Segundo o economista Simon Porter, diretor do Fed (Federal Reserve, o banco central americano) de Nova York, é importante que os bancos centrais capturem as diversas expectativas para a inflação. Visão semelhante foi dada por Rob Ranyard, da Leeds University Business School, em apresentação na conferência de educação financeira e comportamento do investidor promovida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

De acordo com a escola econômica tradicional, estimar a variação dos preços em determinado período de tempo é tarefa relativamente simples. Basta reunir os números, desenvolver um modelo e fazer os cálculos. É assim que os economistas consultados pelo BC fazem as projeções.

O problema é que, cada vez mais, os estudos de economia comportamental vêm demonstrando que as pessoas não agem de maneira 100% racional. Na prática, para a formar as expectativas em relação ao aumento dos preços, outros fatores mais intuitivos são somados aos cálculos dos especialistas.

A percepção sobre o comportamento da inflação tem importância destacada para os não especialistas. Existem, basicamente, três componentes que influenciam essa intuição.

O primeiro é a experiência individual com o aumento de preços de produtos específicos. Para um motorista profissional, se o preço do combustível estiver constante, a percepção que ele tem a respeito da inflação tende a ser baixa. Já para o dono de uma pizzaria que vê o preço dos insumos subindo em ritmo elevado, a impressão é de inflação alta.

O segundo componente é a amplificação social da discussão sobre o aumento dos preços. No atual momento brasileiro, todas as atenções estão voltadas para o estouro da meta de inflação e as ações corretivas que serão tomadas pelo BC. Isso acaba chamando a atenção das pessoas para o problema, gerando um clima de apreensão.

O terceiro fator de impacto nas percepções é a inflação passada e, novamente, a atual situação brasileira serve de ilustração. Como a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi a maior em 13 anos, esse fato acaba contaminando as expectativas para o futuro.

Para complicar, o aumento dos preços de diferentes produtos raramente é equivalente, mesmo em períodos relativamente longos. Por exemplo, há pouco mais de oito anos, o preço do Big Mac era de R$ 6,40; o quilo do pão francês custava R$ 5,00; o litro da gasolina era vendido a R$ 2,43 e a tarifa do ônibus na cidade de São Paulo era de R$ 2,30.

Em termos percentuais, o aumento anualizado do Big Mac e do pão francês foi de 11% ao ano. A gasolina e a tarifa do ônibus subiram cerca de 6% ao ano.

De todo o modo, a inflação passada tem um impacto relevante sobre as expectativas para a inflação futura, especialmente entre o público em geral. O gráfico abaixo mostra a evolução da expectativa de inflação dos consumidores, conforme calculado pela FGV/IBRE, e a variação do IPCA nos 12 meses anteriores. As linhas são praticamente coincidentes.

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A inflação em si não é um problema, desde que os rendimentos acompanhem o ritmo de aumento dos preços. Isso tem acontecido com os salários e com os rendimentos das aplicações financeiras.

Os maiores prejudicados têm sido as atividades empresariais, que vêm sofrendo quedas expressivas no faturamento. A consequência têm sido a redução dos investimentos nas atividades produtivas e o aumento do desemprego.

A preocupação atual dos investidores é preservar as aplicações da corrosão ocasionada pela alta dos preços, sem correr riscos exagerados. E entender a estratégia do BC.

Inflação alta ficou mais comum

A inflação superou o teto da meta de 6,5% ao ano em quatro dos últimos oito trimestres. É a primeira vez que isso ocorre desde 2005, quando o Banco Central passou a perseguir a taxa de 4,5% ao ano.

O último trimestre de cada ano e o primeiro do ano seguinte são, tradicionalmente, períodos em que a inflação é mais elevada. Isso ocorre porque uma série de reajustes sazonais dos preços de diversos produtos e serviços pressionam os índices.

Mais tarde, entre abril e setembro, o ritmo de aumento dos preços tende a diminuir. E o Banco Central acaba conseguindo manter a inflação abaixo do limite da meta.

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Para o investidor, a inflação é uma ameaça para a preservação do poder de compra do patrimônio acumulado. Principalmente quando a alta dos preços supera os juros das aplicações financeiras.

No quarto trimestre de 2012 e no primeiro trimestre de 2013 o governo ainda flertava com uma política econômica menos ortodoxa. No período, a inflação superou o rendimento da taxa Selic.

Recentemente, no quarto trimestre de 2013 e primeiro trimestre de 2014, o Banco Central voltou a adotar a política tradicional de juros altos. A decisão acabou proporcionando aos investidores retorno acima da inflação, antes do Imposto de Renda.

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A evolução recente da inflação preocupa. É praticamente consenso que medidas mais efetivas para conter o aumento dos preços não serão tomadas durante o período eleitoral.

A esperança é que a queda sazonal dos preços no período de abril a setembro seja suficiente para trazer a inflação de volta para a meta. Ficou mais importante acompanhar os comunicados do Banco Central porque, hoje, a tendência é de que os juros continuem subindo.

Proteção contra a inflação

Preservar o poder de compra das aplicações passou a ser um problema para os investidores. No mercado financeiro de hoje, não existem mais as tradicionais opções do passado, que garantiam correção automática dos investimentos de acordo com a variação dos índices de preço.

Atualmente as aplicações indexadas à inflação envolvem a necessidade de administração de uma série de riscos. Se forem mal avaliados, podem eliminar os ganhos do investimento. Saber identificar os perigos das alternativas e antecipar os efeitos colaterais em diversos cenários é fundamental para evitar perdas.

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