Uma bolsa sem a alta frequência

Imagine que você seja obrigado a estabelecer preços de compra e venda para uma determinada ação. Mas com o agravante de não ter nenhuma convicção se é melhor montar uma carteira com esse ativo ou se desfazer da posição.

Sem saber ao certo o valor de mercado do papel e pressionado para definir cotações, você decide comprar por R$ 21 e vender por R$ 22. Em seguida, alguém aparece para negociar e propõe um intervalo mais apertado: compra a R$ 21,10 e venda a R$ 21,40. Você desconfia. E reformula sua faixa de cotações. Agora você compra a R$ 21,35 e vende a R$ 21,75.

Se, de fato, o seu parceiro de negócios tiver interesse na ação, é provável que feche a transação no preço da sua oferta, a R$ 21,75. Nesse caso, ele economizaria R$ 0,25 ante a cotação original e você ganharia R$ 0,25 em relação ao ponto médio entre compra e venda. É uma transação boa para ambos.

Mas agora você tem um problema, pois vendeu uma ação que não tem ideia se tem potencial para subir ou se está fadada a cair. É preciso eliminar esse risco. Felizmente para você há investidores que também não conseguem acompanhar o ritmo de mudanças das cotações. Para muitos, a última informação é que o preço de compra da ação é R$ 21,10 e o de venda, R$ 21,40, conforme apregoou seu parceiro.

Para eliminar o risco da sua posição, basta então entrar em contato com um desses investidores retardatários e comprar o papel a R$ 21,40. E embolsar a diferença de R$ 0,35 entre o preço que você conseguiu vender e comprar o título.

Agora, imagine que toda essa interação pudesse ser feita por computador no intervalo de milionésimo de segundo. O número de negócios aumentaria muito e os lucros cresceriam de forma exponencial. Esse é o mundo das transações de alta frequência (HFT, na sigla em inglês), conforme abordado por Michael Lewis no seu mais recente livro, Flash Boys, ainda sem tradução no Brasil.

Lewis se especializou em explicar para o leitor comum como funcionam as engrenagens do sistema financeiro. No caso das transações de alta frequência, a complexidade é ainda maior. Até mesmo os grandes gestores de recursos do planeta deixaram de entender exatamente o caminho percorrido por suas ordens de compra e venda de ações. A sensação passou a ser de que alguém sempre consegue antecipar a intenção do gestor e lucrar com a transação.

O mercado americano é muito fragmentado. O investidor pode escolher negociar ações em diversas bolsas ou nos chamados “”dark pools””, estruturas próprias administradas por grandes instituições financeiras. O argumento é que a fragmentação aumenta a liberdade de escolha e estimula a competição. No Brasil, existe apenas uma bolsa de valores, que possui monopólio virtual sobre as negociações.

Porém, tanto a fragmentação quanto o monopólio podem provocar distorções. No mercado americano, operações de arbitragem de cotações entre as diversas bolsas passaram a gerar lucros expressivos para um pequeno grupo de especialistas.

Como os negócios com ações acontecem hoje em intervalos de tempo menores do que um piscar de olhos, sofisticados algoritmos capazes de reconhecer e identificar padrões de comportamento de mercado passaram a ser ferramentas essenciais. Poucos conseguem desenvolver esses programas.

A infraestrutura física para os negócios também virou uma barreira importante. Cabos de fibra ótica conectados às diversas estações de negociação e computadores funcionando no mesmo ambiente das bolsas passaram a fazer parte do kit básico dos corretores mais bem sucedidos. É um investimento que custa caro.

Mas a tecnologia não é tudo. Ao retratar a saga de Brad Katsuyama para criar a IEX, uma bolsa dedicada aos interesses dos investidores, conforme material publicitário, Lewis consegue desmistificar de maneira muito crua as estratégias de alta frequência.

Para o sucesso dos negócios, é fundamental que haja alinhamento de interesses entre os intermediários e as bolsas. Nesse caso, o objetivo é depenar os investidores mais desavisados.

As estruturas das ordens de compra e venda tornaram-se incrivelmente complexas e passaram a ser negociadas com cada bolsa para atender interesses específicos dos especialistas de alta frequência. No fim das contas, o objetivo é tentar antecipar movimentos de mercado para dar uma vantagem aos mais favorecidos.

Outra forma de incentivo instigante é o pagamento pelo fluxo de ordens. De forma simplificada, é uma negociação semelhante à que acontece envolvendo a administração da folha de pagamento de servidores públicos e privados no Brasil, entre bancos e prefeituras ou empresas. Os bancos aceitam pagar para prestar o serviço porque estimam que conseguirão algum lucro com a operação, explorando as oportunidades de negócio com a nova base de clientes.

No Brasil, o volume de transações na BM&FBovespa cresce a 8% ao ano desde 2007. Os negócios podem aumentar se as transações de alta frequência forem estimuladas. Por ora, a bolsa parece tentar conciliar o interesse de operadores de alta frequência com o de investidores comuns. A questão é acompanhar até quando não ocorrerá algum tipo de conflito.

BMF

O derretimento da Petrobras

É inegável que o desempenho das ações da Petrobras tem sido sofrível durante o governo Dilma. Desde 7 de março de 2011, quando atingiu o pico de R$ 413 bilhões, até 14 de abril de 2014, com cotação de R$ 203 bilhões, o valor de mercado da empresa recua 50%.

Já o segundo mandato do presidente Lula foi excitante para os acionistas da empresa. O valor da companhia saltou de R$ 228 bilhões no início do governo para o pico de R$ 510 bilhões em maio de 2008.

Depois, devido aos efeitos da crise financeira mundial, chegou a cair quase 70%, para R$ 165 bilhões em novembro de 2008. No fim do período Lula, o valor terminou em R$ 380 bilhões, quase o dobro do patamar atual.

O gráfico abaixo ilustra o comportamento do valor de mercado da companhia desde janeiro de 2007. As retas escuras indicam a tendência das cotações em cada intervalo.

image

Comparar desempenhos de investimentos em períodos de mandatos de governos é sempre arriscado. Diversos fatores, sem relação com o ambiente político, podem afetar o comportamento das aplicações.  Mas, em época eleitoral, é um passatempo inevitável.

O fato, então, é que durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso o valor de mercado da Petrobras subiu 22%. No segundo mandato a alta foi de 400%. No primeiro período do presidente Lula o valor da companhia subiu 323% e, no segundo, a alta foi de 65%.

Com a presidente Dilma, a queda até agora é de 46%. Pode ser que o valor da empresa se recupere. Ou então, como gostava de dizer o presidente Lula, é possível que nunca antes na história deste país o valor de mercado da Petrobras tenha caído tanto durante um determinado mandato presidencial.

Para sair da crise, será preciso que a administração da companhia mostre empenho em atacar os problemas atuais.

Inflação alta ficou mais comum

A inflação superou o teto da meta de 6,5% ao ano em quatro dos últimos oito trimestres. É a primeira vez que isso ocorre desde 2005, quando o Banco Central passou a perseguir a taxa de 4,5% ao ano.

O último trimestre de cada ano e o primeiro do ano seguinte são, tradicionalmente, períodos em que a inflação é mais elevada. Isso ocorre porque uma série de reajustes sazonais dos preços de diversos produtos e serviços pressionam os índices.

Mais tarde, entre abril e setembro, o ritmo de aumento dos preços tende a diminuir. E o Banco Central acaba conseguindo manter a inflação abaixo do limite da meta.

image

Para o investidor, a inflação é uma ameaça para a preservação do poder de compra do patrimônio acumulado. Principalmente quando a alta dos preços supera os juros das aplicações financeiras.

No quarto trimestre de 2012 e no primeiro trimestre de 2013 o governo ainda flertava com uma política econômica menos ortodoxa. No período, a inflação superou o rendimento da taxa Selic.

Recentemente, no quarto trimestre de 2013 e primeiro trimestre de 2014, o Banco Central voltou a adotar a política tradicional de juros altos. A decisão acabou proporcionando aos investidores retorno acima da inflação, antes do Imposto de Renda.

image

A evolução recente da inflação preocupa. É praticamente consenso que medidas mais efetivas para conter o aumento dos preços não serão tomadas durante o período eleitoral.

A esperança é que a queda sazonal dos preços no período de abril a setembro seja suficiente para trazer a inflação de volta para a meta. Ficou mais importante acompanhar os comunicados do Banco Central porque, hoje, a tendência é de que os juros continuem subindo.

Consórcios: avaliar é uma boa questão de Enem

Suponha que você queira adquirir um bem no valor de R$ 350 mil. Para realizar a compra à vista, você tem a alternativa de tomar um empréstimo, pagando em 170 parcelas mensais. Seu desembolso total, considerando os juros, será de R$ 544.373.

Outra possibilidade é não se endividar e investir o dinheiro que seria gasto nas mensalidades do financiamento. Nesse caso, no fim de 125 meses, com os rendimentos acumulados da aplicação financeira, você teria reunido recursos para comprar o item desejado, com desembolso total de R$ 312.600.

Uma terceira alternativa é entrar em um consórcio, pagando prestações por 170 meses de tal forma que, no fim do prazo, terá desembolsado o total de R$ 420.600. O problema é que não existe certeza de quando irá receber o bem. Você participará de sorteios com chances iguais de ser contemplado do primeiro ao último mês.

A discussão sobre o custo do prazer imediato e o benefício de ter paciência para adiar o consumo pode enveredar para argumentos filosóficos. O economista Eduardo Giannetti da Fonseca, em seu livro “O valor do amanhã”, aborda essas questões de forma abrangente e intrigante.

Mas uma pergunta pragmática, que pode ser respondida pelos alunos do ensino médio que estão se preparando para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), é: a partir de qual mês o consórcio é a pior alternativa? E qual a probabilidade de você ser sorteado antes de o consórcio começar a ser um mau negócio?

O gráfico abaixo ilustra a resolução do problema.

image

A linha azul une dois extremos. O ponto mais à esquerda representa o custo do empréstimo de R$ 544.373, assinalado no eixo vertical. O eixo horizontal mostra que, nessa opção, o bem foi comprado no primeiro mês.

O ponto mais à direita da linha azul representa o momento em que os recursos depositados na aplicação financeira são suficientes para cobrir o valor do bem. Isso acontece no mês 125 e o desembolso total é de R$ 312.600, sem contar os juros.

Assumindo que seja possível fazer uma combinação entre empréstimo e poupança para adquirir o bem, a linha azul mostra o desembolso total em cada momento, até o mês 125.

A linha vermelha do gráfico representa o desembolso com o consórcio. O custo de R$ 420.600 é fixo e não depende do mês em que o bem é adquirido.

Existe um ponto em que as duas linhas se cruzam. Nesse momento, o desembolso com o consórcio e a combinação financiamento com poupança resultam no mesmo desembolso.

Achar a equação da reta azul, que une os dois pontos extremos entre financiamento e poupança, é a chave para a resolução do problema. Os cálculos mostram que as retas se cruzam, aproximadamente, no mês 67.

Antes desse ponto, o valor da poupança é pequeno e o montante financiado deve ser alto, o que aumenta o valor total do desembolso. Depois ocorre o inverso.

Portanto, ser contemplado no consórcio antes do mês 67 é vantajoso. Após esse ponto é mau negócio.

Existe uma chance em 170 de ser sorteado no consórcio em um determinado mês. Em 67 meses a chance de ser contemplado é 67 vezes maior, ou quase 40%.

Significa que a probabilidade de o consórcio ser um bom negócio é menor do que a possibilidade de ser uma opção ruim. O que, de certa forma, pode causar surpresa a muitos.
 
Apesar de ser um problema aparentemente complexo, avaliar a atratividade de um consórcio é uma tarefa acessível aos estudantes do ensino médio. Na ponta do lápis, parece prudente evitar dar chance ao azar: o melhor é evitar o consórcio.

Razões para especular com Petrobras

A estreia de um curioso padrão de comportamento para o mercado de ações brasileiro, que vincula o preço dos papéis da Petrobras à variação dos índices de popularidade do atual governo, estimulou o aumento dos negócios.

Em 27 de março foi divulgada pesquisa CNI/Ibope mostrando queda na aprovação da presidente Dilma. No fim do dia, a BM&FBovespa havia registrado o maior volume financeiro do ano: quase R$ 10 bilhões.

A dinâmica da nova estratégia de investimento que vem sendo seguida é simples. Quando as pesquisas mostram queda na avaliação do governo, o valor da estatal sobe. O oposto tende a acontecer se as novas pesquisas mostrarem crescimento do apoio às políticas atuais. O relevante desse procedimento é que os investidores passaram a adotar um padrão para balizar os negócios, o que termina incentivando as transações.

Uma das explicações para esse comportamento está nas teorias de J.M. Keynes. Artigo da jornalista Luciana Seabra, do Valor, e do economista David Dequech, da Unicamp, publicado na edição de outubro-dezembro de 2013 da Revista de Economia Política, descreve o mecanismo. O objetivo dos autores é analisar a alta taxa básica de juros praticada no Brasil. Porém, antes de desenvolverem os argumentos, resumem as ideias do pensador inglês.

Para Keynes, o método adotado pelos aplicadores para dar previsibilidade ao valor dos investimentos é, na realidade, uma convenção. São as práticas corriqueiras e que são aceitas sem maiores contestações.

Na impossibilidade de se prever com segurança o valor de um empreendimento no fim de um período longo, a premissa é que “a situação existente dos negócios continuará por tempo indefinido, a não ser que tenhamos razões concretas para esperar uma mudança”, segundo o próprio Keynes.

Significa que o valor futuro de uma empresa depende da forma de condução dos negócios nos dias atuais, a menos que algo extraordinário aconteça. Apesar da evidente simplificação da realidade, essa forma de pensar é adotada por grande parte dos participantes do mercado.

Além disso, mais importante do que estimar o valor justo da companhia, interessa identificar o que os outros pensam dela. É a receita segura para fazer apostas potencialmente certeiras.

A metáfora de Keynes é uma competição em que o vencedor deve acertar os concorrentes mais votados em um concurso de beleza. Mais relevante do que o gosto pessoal do jogador, é descobrir a média da opinião dos demais competidores sobre a aparência dos candidatos.

A habilidade de prever o comportamento das cotações dos ativos financeiros no curto prazo com base na avaliação do que pensam outros investidores pode render bons dividendos. Comprar na baixa e vender na alta é objetivo de todo aplicador.

Do ponto de vista estatístico, as chances de acertar ou errar as apostas são iguais. Mesmo assim, muitos se dedicam à tarefa. E a contrapartida é a instabilidade do preço dos ativos. Como consequência, as mudanças de humor no curto prazo acabam afetando o valor esperado para os empreendimentos no longo prazo, mesmo que nada de concreto efetivamente aconteça.

A intuição de Keynes foi posteriormente comprovada por estudos empíricos. Na década de 80, Robert Shiller, vencedor do prêmio Nobel de Economia em 2013, demonstrou que o valor dos lucros e dividendos das empresas, ajustado pelos juros, é muito mais estável do que a série histórica do preço das ações, sujeita a grandes oscilações.

Desde então, os modelos para estimar o comportamento dos preços dos ativos passaram a levar em conta as flutuações de curto prazo das cotações. No caso da Petrobras, a convenção atual é que a ingerência política do governo prejudica as decisões da companhia. E esse fator foi incorporado nas previsões.

Mesmo para o investidor mais conservador e descrente da sua habilidade de acertar o momento certo de entrar e sair das posições, o histórico recente da variação do preço das ações PN da Petrobras estimula a especulação. Após subir 151% entre novembro de 2008 e dezembro de 2009, as ações entraram em um zigue-zague.

Desde então, em cinco períodos os papéis subiram mais de 20%, do ponto mínimo até o topo. E em seis ocasiões caíram mais de 25%, do ponto máximo até o fundo. Os momentos de alta e de baixa tiveram duração em torno de dois a cinco meses. Tentar acertar os ciclos, conforme assinalados no gráfico, parece tentador.

ZigZagPetro

Keynes defendia que o Estado deveria adotar medidas de estímulo à economia em determinadas situações, com o objetivo de manter o ritmo de crescimento da capacidade produtiva. A especulação, para ele, era danosa para as decisões de investimento.

O atual governo parece ter exagerado no ativismo desenvolvimentista. Ao interferir demasiadamente, acabou criando um ambiente favorável à especulação, atrapalhando os investimentos.

Para os detentores de ações da Petrobras, seria financeiramente mais rentável se as incertezas estivessem restritas aos riscos operacionais da própria companhia. Agora, a alternativa parece ser montar posições para tentar aproveitar as oscilações, controlando o risco da aplicação.