Educação financeira tem papel relevante na redução do spread

A atividade bancária no Brasil é lucrativa e arriscada. O retorno sobre o capital, que mede a relação entre o lucro e o patrimônio líquido, registrado pelos cinco maiores bancos brasileiros está entre os mais elevados de um conjunto composto pelas maiores instituições que operam em 12 mercados emergentes e desenvolvidos.

Entretanto, apesar de lucrativa no país, é uma atividade difícil de alavancar. Significa que reproduzir o negócio não é simples. Essa é uma das razões que explicaria a concentração recente do mercado bancário nacional em poucos participantes e a saída de diversas instituições estrangeiras da operação no varejo.

Os bancos no Brasil estão sujeitos a uma série de obrigações operacionais, tributárias, administrativas e legais que encarecem as operações. E causam incertezas, na medida em que as regras podem ser modificadas.

Para os tomadores de recursos, a consequência palpável desse arcabouço é o alto custo dos empréstimos. Em 2016, a diferença média entre a despesa de captação dos bancos nacionais e a taxa de juros dos financiamentos foi de 22% ao ano. A mediana de uma amostra de 12 países foi de 4% ao ano, menos de 20% em relação ao Brasil.

Comparação do spread em países selecionados (% ao ano)   clip_image002

 
                                                                                                                                                                                                                                              fonte: Como fazer os juros serem mais baixos no Brasil      

A diferença entre custo de captação e taxa de empréstimo é chamada de spread, no jargão dos especialistas. O spread elevado causa uma série de consequências: o crédito custa caro para o tomador, o volume de financiamentos em relação ao PIB é baixo e a inadimplência é alta. Tudo isso dificulta o crescimento econômico.

É um círculo vicioso que a Febraban, a federação dos bancos, se propõe a interromper. Um diagnóstico foi publicado no livro “Como fazer os juros serem baixos no Brasil”. O trabalho contém propostas para tornar a operação bancária no país mais eficiente.

No capítulo 3, o livro aponta a inadimplência como o maior vilão do spread bancário. Os bancos afirmam que precisam cobrar juros mais altos dos bons pagadores para compensar as perdas causadas pelos inadimplentes.

É um argumento surpreendente e contraintuitivo. A impressão para o leigo é que o lucro da atividade é apropriado pelos acionistas dos bancos e os prejuízos são repartidos entre os demais tomadores de empréstimos, num cenário que desestimula as instituições a serem mais eficientes.

Seria mais natural que os bancos investissem na melhoria dos controles de concessão de crédito para evitar os calotes. A consequência seria o alijamento do mercado dos maus pagadores e juros menores como um todo.

Ao longo do texto os bancos explicam que até tentam ser mais eficientes, mas diversas amarras legais os impedem de atingir o objetivo.

O cadastro positivo, que facilita o acesso às informações financeiras dos brasileiros, precisa ser aperfeiçoado; as execuções dos bens dados em garantia precisam ser mais intempestivas; e o uso da tecnologia deve ser direcionado para a criação de modernos instrumentos que facilitem a representação e negociação do crédito.

Para financiar a carteira de crédito, as instituições captam recursos no mercado. Mas se os recursos captados não puderem ser livremente aplicados, isso representa um custo de oportunidade.

Os depósitos compulsoriamente recolhidos ao Banco Central e os empréstimos obrigatoriamente direcionados a determinados setores ou atividades são empecilhos para que os bancos emprestem livremente para os clientes que considerem mais rentáveis. Portanto, acabam aumentando os custos operacionais e impactando o spread.

O livro também faz críticas aos altos impostos incidentes sobre a atividade bancária. Se a tributação fosse menor, o spread poderia ser reduzido.

O capítulo 6 que aborda o cheque especial e o cartão de crédito é o mais interessante sob o ponto de vista da educação financeira e da relação entre as pessoas e os bancos.

No passado, para os bancos, a principal função do cheque especial era facilitar as compras parceladas com cheques pré-datados. Atualmente esse papel passou a ser exercido pelo cartão de crédito, que se tornou um dos meios de pagamento mais importantes na economia brasileira.

Tanto o cheque especial quanto o cartão de crédito têm uma atribuição para os bancos diferente daquilo que a maioria das pessoas acredita.

Os juros do cheque especial são mais um complemento da tarifa bancária, desde que a pessoa fique no negativo por dois ou três dias. Já o cartão de crédito é um instrumento para facilitar as vendas, especialmente do varejo.

Portanto, apesar do nome, é fundamental entender a real utilidade dos instrumentos financeiros para evitar as armadilhas dos juros exagerados que levam ao superendividamento.

Desafios para educação financeira no Brasil ainda são grandes

A educação financeira é fundamental para o desenvolvimento pessoal e o progresso econômico do país. Na medida em que aprendemos o valor do dinheiro no tempo, somos capazes de tomar decisões mais embasadas e que levam a maior satisfação no longo prazo. Conjuntamente, as escolhas financeiras individuais terminam por impactar o bem estar de toda a população.

Opções tais como consumir hoje, poupar para o futuro, assumir um endividamento com prazo determinado e estratégia clara para a quitação, estabelecer um plano de investimentos com objetivos específicos ou administrar um negócio ficam mais fáceis de serem avaliadas se o conhecimento financeiro for alto.

A prática, no entanto, revela que a transmissão de conhecimento financeiro não é tarefa simples. Alguns programas de educação financeira acabam sendo mais bem sucedidos do que outros.

O assunto foi tema do seminário Novas Tendências em Educação Financeira e da conferência Ciências Comportamentais e Educação do Investidor. Os eventos foram realizados entre os dias 12 e 14 de novembro em São Paulo e contaram com a organização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em parceria com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Um dos motivos para um programa de educação financeira não atingir o resultado esperado é a desconexão com o público alvo. Por exemplo, ao não levar em conta a variabilidade das receitas daquela população que se deseja impactar.

O assunto foi abordado pelo professor Jonathan Morduch, autor do livro “The financial diaries” (“Os diários financeiros”, numa tradução livre). A obra de Morduch é resultado do acompanhamento financeiro semanal de um grupo de 235 famílias americanas com renda anual pouco acima da linha da pobreza. Esse público é representativo de uma parcela significativa da sociedade.

A motivação para a pesquisa foi a sensibilidade de que, apesar de a renda anual de muitas famílias ser suficiente para oferecer um padrão de vida minimamente confortável para os parâmetros americanos, a variabilidade dos ganhos no mês a mês acarretava impactos relevantes.

Nessa linha, os aconselhamentos tradicionais de que é preciso poupar parte da receita para os momentos difíceis e separar outro tanto para a aposentadoria são sugestões pouco factíveis para esse público.

Ao longo do período de um ano, uma parcela do superávit orçamentário conseguida nos meses bons é necessariamente consumida nos meses ruins. A gestão financeira das contas da família se torna muito mais complexa.

A situação exige sólidos fundamentos de administração do capital de giro, liquidez dos investimentos e gestão de passivos. Além de um bom relacionamento com as instituições financeiras.

Como essa sofisticação é difícil de atingir, o estudo de Morduch buscou entender e tentar generalizar as alternativas usadas por esse público. As conclusões podem servir de embasamento para as políticas públicas.

A realidade brasileira é semelhante. Alexandre Comin, do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), destacou no seminário a sazonalidade dos pequenos negócios. E as dificuldades que os empreendedores têm com as inovações financeiras.

Muitas vezes, com a expectativa de melhorar o fluxo de caixa, pequenos comerciantes acabam assumindo endividamento muito oneroso devido à facilidade para antecipar os recebíveis. Isso pode acabar se refletindo no descontrole das contas e causar inadimplência.

A Plano CDE, empresa brasileira especializada em pesquisa e avaliação de impacto nas famílias nas famílias das classes C, D e E do Brasil, também abordou o assunto com um estudo parecido com o de Morduch. Em parceria com a Fundación Capital, um empreendimento social, e o Guia Bolso, uma startup financeira, fez uma espécie de diário financeiro digital identificando o perfil financeiro das famílias das classes mais baixas.

Entre as principais constatações está a observação de que as famílias possuem múltiplas fontes de renda e que essas receitas são variáveis. Como consequência dessa dinâmica, aparecem conflitos entre o orçamento de casa e as despesas individuais.

Os gastos em espécie são proporcionalmente maiores do que os das famílias de maior renda e existe uma desconfiança generalizada no sistema financeiro. De uma forma geral, as famílias das classes C, D e E preferem manusear o dinheiro do que efetuar transações eletrônicas por meio de aplicativos.

É fundamental que os programas de educação financeira atuem em linha com os valores e objetivos de cada parcela da população.