Dólar, inflação, CDI: investimento na crise

Crise política, atividade econômica em queda, juros altos e dólar perto das máximas históricas. O cenário atual para as aplicações financeiras no Brasil não é dos mais animadores.

Apesar disso, alguns fundos de investimento conseguiram desempenho excepcional neste começo de 2015. As apostas foram, basicamente, na desvalorização do real e em ativos negociados no exterior, conforme reportagem de Luciana Seabra no jornal Valor do dia 19 de março.

A cotação do dólar subiu cerca de 30% em relação ao real desde novembro do ano passado até hoje. A falta de clareza em relação às mudanças na política econômica do segundo mandato da presidente Dilma e a perspectiva de alta dos juros nos Estados Unidos foram as principais razões para que o dólar saltasse do nível de R$ 2,50 em novembro do ano passado para os R$ 3,20 atuais

Os cotistas das carteiras cujos gestores conseguiram antecipar esses movimentos de mercado tiveram ganhos expressivos. No entanto, a dúvida agora é saber se o cenário de incertezas pode piorar ou se já é possível vislumbrar alguma estabilidade econômica para o país.

Do ponto de vista das estratégias de investimentos, se o ambiente continuar incerto, a tendência é que as aplicações indexadas ao dólar continuem entre as mais rentáveis ­ mesmo com a taxa de câmbio nos níveis atuais. Em contrapartida, se novas indicações sinalizarem que o pior da crise brasileira já ficou para trás, outras modalidades podem ser mais rentáveis.

Hoje a principal fonte de instabilidade é a dificuldade de o governo conseguir construir argumentos políticos para justificar o ajuste fiscal. Após uma campanha eleitoral polarizada, a guinada na condução da economia foi surpreendente.

O Banco Central (BC) aumentou a taxa básica de juros para 12,75% ao ano. É o maior valor desde o fim de 2008 e está 5,5 pontos percentuais acima do ponto mínimo de 7,25% ao ano, que vigorou entre outubro de 2012 e abril de 2013.

O novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, declarou, por sua vez, que uma série de decisões econômicas anteriores, como as desonerações tributárias seletivas, não foram bem­sucedidas e precisam ser revistas. Muitas dessas medidas foram insistentemente questionadas pelos adversários políticos da presidente.

Apesar dos argumentos de que o estelionato eleitoral é uma atividade recorrente no Brasil e que a tradição de nossos políticos é governar de forma diferente do que foi debatido ao longo da campanha, desta vez o grau de tolerância da população parece menor. A intensidade da mudança de orientação da economia somada à revelação do esquema de corrupção na Petrobras acirraram os ânimos.

Esse ambiente de eterna disputa política é favorável à alta do dólar e às aplicações fora. Porém, existe uma chance razoável de haver uma composição política para aliviar a pressão sobre a presidente Dilma, de maneira que o ajuste fiscal seja implementado.

Para esse cenário mais benigno, uma previsão importante é o efeito do repasse da alta do dólar para a inflação. Os analistas estão divididos.

As dúvidas dos economistas sobre o tamanho do repasse da alta do dólar para a inflação foi objeto de reportagem de Arícia Martins, do Valor, nesta segunda, 23 de março. O principal ponto de discussão é o efeito da queda dos preços das commodities no mercado internacional.

Um dos principais índices que medem a variação de preços de uma cesta de commodities negociadas no exterior é o Thomson Reuters/Jefferies CRB Index (TR/J CRB). O indicador abrange produtos agrícolas, energia, metais preciosos e básicos ou industriais.

TRJ CRB

De janeiro de 2004 a julho de 2008, uma aplicação hipotética de R$ 100 no TR/J CRB teria virado R$ 208. A valorização no período foi de mais de 100%. No mesmo intervalo, a mesma aplicação na cotação do dólar em relação ao real teria caído 46%, para R$ 54.

Já entre agosto de 2008 e 18 de março de 2015 houve uma completa reversão das posições. A aplicação no TR/J CRB caiu para R$ 104 e o investimento em dólar atingiu R$ 112.

O argumento dos especialistas é que a alta do dólar pode ser compensada, pelo menos em parte, com a queda na cotação das commodities. Isso ajudaria no controle da inflação e reduziria a necessidade de o BC continuar a política de elevação dos juros.

Hoje a Selic está confortavelmente acima da inflação projetada. O principal motivo para o BC continuar subindo os juros é, de certa forma, agir conforme se espera quando a inflação está alta. É uma espécie de reação convencional, que busca afastar surpresas e reduzir as incertezas.

Se os juros subirem muito, em algum momento passará a ser interessante montar posições prefixadas. Até lá, mantido o cenário turbulento, mas controlado, investimentos atrelados aos juros de curto prazo, como a variação do CDI, parecem atraentes.

O histórico é favorável ao CDI. Entre janeiro de 2004 e março de 2015, se a aplicação hipotética de R$ 100 estivesse atrelada ao CDI teria se transformado em R$ 357, uma alta de 257% ­ rendimento difícil de ser superado.

Investimentos "offshore" cada vez mais disseminados

Nos últimos quatro anos os brasileiros investiram US$ 20 bilhões em ações de companhias estrangeiras e títulos de renda fixa negociados no mercado internacional. O saldo está registrado no Balanço de Pagamentos, documento que contabiliza as transações do Brasil com o resto do mundo, divulgado pelo Banco Central (BC).

Outro indicador que aponta para a tendência de internacionalização das aplicações é encontrado na declaração anual de capitais brasileiros no exterior, também sob a responsabilidade do BC. São informações obrigatórias prestadas pelos residentes no Brasil que possuam mais de US$ 100 mil aplicados fora do país.

Os últimos dados disponíveis indicam que o total do estoque de capitais brasileiros no exterior, incluindo aplicações financeiras, participações em empresas, imóveis e outros ativos, saiu de US$ 280 bilhões em 2011 para US$ 392 bilhões em 2013. O crescimento foi de 40% em dois anos.

Offshore

Diversos fatores justificam o maior interesse dos brasileiros por alternativas no exterior. O mais importante, relacionado com a evolução recente da política macroeconômica, foi a combinação de redução dos juros e desvalorização do real verificada ao longo do governo Dilma.

Nos últimos 36 meses encerrados em fevereiro de 2015, a variação média anual do CDI, o principal parâmetro para comparar a rentabilidade das aplicações de renda fixa, foi de 9,72%. O dólar, por sua vez, subiu em média 14,73% ao ano em relação ao real no mesmo período.

O efeito desse cenário, do ponto de vista financeiro, foi o aumento da competitividade das aplicações fora do país. Usar os reais disponíveis no Brasil para comprar dólares e investir no exterior passou a proporcionar excelentes resultados.

Outro aspecto positivo para a estratégia de investimentos “offshore” foi a acentuada recuperação do valor das empresas negociadas nas bolsas mundiais, em especial nos EUA.
O índice S&P 500, que mede o comportamento das ações das maiores companhias americanas, por exemplo, subiu o equivalente a 14,64% ao ano nos últimos três anos. Em contrapartida, o Ibovespa, principal indicador da bolsa brasileira, caiu 6,46% ao ano, na média, no mesmo intervalo.

Muitos gestores de fundos de investimento no Brasil aproveitaram a oportunidade para ajustar as carteiras, buscando as opções mais rentáveis. É possível constatar que, em boa parte dos fundos com melhor desempenho, a parcela dos recursos aplicada no exterior aumentou.

Além disso, novos produtos foram criados com o objetivo de melhorar o acesso do investidor local ao mercado internacional. A modernização da legislação brasileira possibilitou que os investimentos fora do país passassem a ficar mais seguros, com o aumento da transparência para os aplicadores.

Como consequência, até os grandes fundos de pensão, tradicionalmente mais conservadores nas decisões, passaram a analisar ativamente as oportunidades no mercado internacional.
A tendência para os próximos anos é de crescimento da participação dos ativos estrangeiros no portfólio dos investidores brasileiros. Diversificação, segurança e instrumentos financeiros eficientes estarão no foco dos investidores.

O mercado de investimentos “offshore” para brasileiros parece caminhar para um duradouro ciclo de alta.

Cenário de impasse político e econômico

A reação do governo às manifestações dos dias 13 e 15 de março indica que, no curto prazo, a estratégia é atribuir o grande número de pessoas nas ruas protestando contra a presidente Dilma ao fato de representarem, majoritariamente, os eleitores da oposição.

Concretamente, a possibilidade de a presidente renunciar ao mandato é extremamente remota. E a chance de a oposição encontrar alguma base suficientemente sólida para propor o processo de “impeachment” é pequena.

No médio prazo, a esperança do governo é que o ajuste fiscal conduzido pelo ministro Joaquim Levy produza resultados rapidamente, faça com que o poder de consumo da população volte a crescer em breve e provoque a recuperação do apoio popular aos dirigentes governistas. É uma aposta arriscada.

O maior problema, atualmente, é vislumbrar o objetivo da política econômica. Hoje o país enfrenta, ao mesmo tempo, desvalorização cambial, inflação, juro alto, aumento de impostos e corte de gastos públicos. A consequência é que a vida das empresas e das pessoas ficou mais difícil. E os benefícios são incertos.

A única justificativa para essa combinação é corrigir os erros cometidos no passado. Mas como não é possível atribuir os atuais problemas aos governos anteriores, da própria presidente Dilma e de seu padrinho político, o bode expiatório voltou a ser a crise internacional.

Esse é o desenho do discurso político do momento. O argumento é frágil, mas pode funcionar durante algum tempo.  

Do ponto de vista das aplicações financeiras, a tendência continua sendo de encurtamento dos prazos de vencimento e indexação à taxa Selic, à variação dos certificados de depósitos interfinanceiros (CDI), ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou à taxa de câmbio.

O ambiente demanda, ainda, seletividade com os investimentos em ações e cautela com as aplicações prefixadas.

Proteção para estimativa desancorada de inflação

Apesar do ambiente favorável, criado a partir da indicação dos novos responsáveis pela condução da economia brasileira, os resultados concretos exibidos até agora têm sido ruins.

As estatísticas oficiais vêm insinuando a possibilidade de o ajuste ser mais lento do que o inicialmente imaginado. Além disso, a percepção é que falta uma orientação clara sobre o rumo a ser seguido pelo governo.

A desconfiança é amplificada em razão da diferença entre o discurso adotado durante a campanha presidencial e as medidas fiscais que estão sendo anunciadas.

Em 1999, quando o presidente FHC foi obrigado a autorizar a desvalorização do real logo no início do segundo mandato, havia a justificativa de uma crise que ameaçava a estabilidade da economia brasileira. Em 2003, a política ortodoxa implementada pelo presidente Lula foi precedida das diretrizes elencadas na “carta ao povo brasileiro”.

A guinada radical da presidente Dilma foi, em muitos aspectos, inesperada. E os motivos ainda não foram totalmente explicados. Tudo ponderado, a impressão dominante atual é de que o grau de incerteza aumentou.

Os investidores podem acompanhar as expectativas de mercado para os principais indicadores econômicos por meio do monitoramento sistemático conduzido pelo BC. Os dados recentes mostram que o problema mais urgente a ser enfrentado é o contínuo aumento das projeções para a inflação de 2015. Isso porque cresce o risco de que o ganho com as aplicações financeiras, descontados os impostos, possa não ser suficiente para repor o poder aquisitivo dos recursos poupados.

Segundo as informações do BC, no início de janeiro a mediana das estimativas para a variação anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) era de 6,56%. No fim de fevereiro havia subido para 7,33%.

Chassi

Nos últimos quatro anos, as projeções para a inflação anual no início de cada período foram sempre maiores do que as do ano anterior. Os ajustes foram recorrentes e para cima. No começo de 2012 as projeções indicavam que o IPCA seria de 5,34% no ano. Em janeiro de 2013 a estimativa subiu para 5,49%. No início de 2014 o consenso apontava para 5,94% e agora, em 2015, as primeiras estimativas, revisadas posteriormente, indicavam 6,56%.

Os números do início do ano não são, necessariamente, confirmados no fim do período. Pelo contrário. Ao longo dos meses os índices parciais de inflação vão sendo divulgados e novas ações do governo, incorporadas às análises. Mesmo assim são marcantes os gráficos com a evolução das projeções anuais para a inflação desde 2012. Há tendência de alta, que ficou mais acentuada em 2015.

O histórico recente da inflação também não é bom. Nos últimos três meses, a alta do IPCA foi de 10,6% ao ano – muito próxima ao retorno líquido de tributos das aplicações atreladas à Selic, mesmo considerando a elevação para 12,25% ao
ano.

Como consequência do cenário atual, é provável que, na reunião desta semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) decida pelo aumento do juros em 0,5 ponto percentual. Seria a quarta alta seguida no atual ciclo de alta, iniciado em 29 de outubro do ano passado.

Se a deliberação for confirmada, a Selic poderá ser fixada em 12,75%, maior nível desde janeiro de 2009 e um recorde para o governo Dilma.

O pico atual mais recente da Selic foi de 12,5% ao ano, entre 21 de julho e 31 de agosto de 2011. Depois disso o BC surpreendeu e iniciou um ciclo de baixa até reduzir a taxa para a mínima histórica de 7,25% ao ano no quarto trimestre de 2012.

O atual sistema de metas de inflação vincula as ações do BC ao comportamento do IPCA: inflação alta significa aumento dos juros. Assim, a decisão do Copom já estaria tomada.
O aspecto pragmático da aplicação dessa regra é que não haveria, hoje, necessidade de uma corrida para investir em títulos indexados ao IPCA, tais como as NTN-Bs. As aplicações atreladas à taxa Selic ou ao Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI) poderiam garantir um confortável ganho acima da inflação.

O argumento acima parece justificar a recente alta da parcela dos juros na remuneração das NTN-Bs. No Tesouro Direto, sistema de venda de títulos públicos via internet, as taxas da NTN-B Principal para 2019 saíram do nível de IPCA + 5,80% ao ano para IPCA + 6,30% ao ano.

Mesmo com a possível alta da Selic e a ampliação da diferença entre juro e inflação, o momento pode ser interessante para diversificar os investimentos e apostar nas NTN-Bs.

O principal risco para o país hoje é perder o grau de investimento. E a combinação de juros altos com déficit fiscal não é sustentável a longo prazo. Seguir nesse caminho é voltar ao passado e, consequentemente, assistir ao rebaixamento da nota do Brasil pelas agências de classificação de risco. Portanto, é possível que, em algum momento, haja um ajuste fiscal mais forte para ajudar o BC na tarefa de combater a inflação, reduzindo os juros reais.

O investimento nas NTN-Bs têm o potencial de equilibrar os riscos. Pode ser uma garantia se a inflação subir, ou proporcionar um ganho de capital caso o governo consiga recolocar a economia brasileira nos trilhos.