A “financeirização” crescente é uma preocupação mundial

Cada vez mais, no Brasil e no mundo, é necessário que as pessoas se preocupem em acumular recursos para bancar despesas futuras. Especialmente para compromissos relacionados aos gastos com saúde e previdência.

Os arranjos mais solidários, em que o Estado administrava os impostos pagos por uma geração mais nova para financiar os gastos da geração mais velha foi sendo gradativamente abandonado. Atualmente todos precisam ter suas próprias reservas.

As inovações no mercado financeiro têm ajudado a encarar as crescentes apreensões. Foram criados diversos serviços, produtos e mecanismos para permitir que as metas individuais de acumulação de patrimônio pudessem ser atingidas com mais facilidade.

As opções são muitas. O investidor pode, por exemplo, aderir a um plano de previdência cujas contribuições são descontadas automaticamente de sua conta corrente, participar de um fundo de pensão patrocinado pela empresa em que trabalha ou contratar um plano de saúde oferecido por seguradoras especializadas no segmento.

Além disso, existe uma grande variedade de aplicações financeiras acessíveis: fundos de investimento, CDBs, LFs, LCIs, LCAs, debêntures, CRAs e CRIs, além dos títulos públicos. Cada uma com características específicas e determinados atrativos.

Diversos sites, serviços de análise e de elaboração de relatórios financeiros estão à disposição do investidor mais interessado. Sem contar a assessoria por robôs, que promete ser a última palavra em eficiência e sofisticação.

A importância das questões financeiras para que as pessoas consigam ser atendidas em suas necessidades básicas ganhou o nome de “financeirização”. O termo tem uma conotação pejorativa.

É utilizado para marcar as consequências negativas do domínio do capital financeiro sobre a economia. E, também, para realçar que o uso de instrumentos complexos por parte das pessoas e empresas pode terminar em sérios prejuízos. O caso da crise do mercado imobiliário nos EUA em 2008 é o exemplo mais emblemático.

Do ponto de vista pragmático, os problemas mais graves decorrentes da “financeirização” ocorrem quando existe a percepção de que o dinheiro do aplicador não está sendo investido de maneira eficiente. Isso pode ocorrer devido aos custos elevados ou por má gestão.

Outro risco são os atalhos relacionados com o sonho de enriquecimento rápido. Muitas vezes, a busca por aplicações financeiras milagrosas pode resultar em pesados prejuízos, caso o investidor não seja capaz de contornar algumas armadilhas.

Um interessante estudo da pesquisadora Aina Begim intitulado “Financial planning as self-fashioning in the age of financialization”, que poderia ser traduzido como planejamento financeiro como um modismo na era da “financeirização”, descreve o que aconteceu no Cazaquistão, uma antiga república da extinta União Soviética.

Rico em petróleo, o país experimentou crescimento vigoroso nos anos 90 e o governo aproveitou o “boom” econômico para reformar o sistema socialista estatal de previdência. As pessoas passaram a investir compulsoriamente em fundos de pensão administrados pela iniciativa privada e o rendimento auferido seria usado para financiar a aposentadoria.

No entanto, com o passar do tempo, a percepção geral da população passou a ser de que o dinheiro estava sendo mal administrado. O rendimento dos fundos passou a ficar menor do que a variação dos índices de preço.

Gradativamente, a desconfiança da população aumentou. As pessoas resolveram buscar alternativas para deixar de contribuir com o plano de pensão obrigatório ou criar subterfúgios para antecipar os resgates.

Por fim, o governo foi obrigado a corrigir a estrutura que tinha sido estabelecida. O efeito colateral, no entanto, foi o aumento da informalidade do sistema financeiro.

Nesse ambiente, surgiram esquemas de captação de poupança por meio da contratação de seguros de vida no exterior. Diversos consultores financeiros passaram a estimular os clientes a proteger o patrimônio das garras do governo.

Um eficiente arcabouço de captação de recursos informal que misturava o marketing multinível com pirâmide financeira foi sendo desenvolvido.

O que aconteceu no Cazaquistão pode ocorrer em qualquer país do mundo. O investidor precisa ficar atento e se informar para evitar correr o risco de perdas irrecuperáveis.

O alerta do estudo é que mecanismos de autoajuda sem o necessário embasamento financeiro podem resultar em armadilhas custosas.

Os benefícios e os danos na gestão dos investimentos

A Operação Greenfield, investigação da polícia federal que apura fraudes relacionadas a investimentos de entidades fechadas de previdência complementar, tem o potencial de esclarecer a forma como os responsáveis pela administração de recursos de clientes tomam suas decisões.

Segundo dados de março de 2016 da Secretaria de Políticas de Previdência Complementar, vinculada ao Ministério da Previdência, essas entidades, também conhecidas como fundos de pensão, reúnem ativos de R$ 751 bilhões, equivalentes a 12% do PIB. São responsáveis pelo pagamento de cerca de 740 mil aposentados ou pensionistas e reúnem um total de 2,7 milhões de participantes ativos, pessoas que ainda estão na fase de contribuição para os planos.

Para o participante de um plano de previdência ou aplicador em fundos de investimento, compreender o processo que levou os gestores a uma determinada decisão é tão importante quanto avaliar o resultado final da carteira. Isso porque os riscos de perdas decorrentes de conflitos de interesses podem ser altos.

Um complicador adicional é que existem diversas técnicas que podem ser usadas para disfarçar o real resultado de um investimento. Todas potencialmente justificáveis em determinadas situações e de acordo com as normas legais estabelecidas.

As entidades que fazem a gestão da poupança de clientes são consideradas investidores institucionais. As mais relevantes no mercado brasileiro, além dos fundos de pensão, são os fundos de investimento e de previdência, institutos de previdência de estados e municípios (RPPS) e seguradoras.

Com estruturas dedicadas exclusivamente a encontrar as alternativas mais rentáveis de aplicação financeira, os investidores institucionais podem contratar uma série de assessores e especialistas. Dada a complexidade do mundo dos investimentos, é uma vantagem significativa em relação ao investidor individual, que deseja poupar para a aposentadoria.

O conceito dessas estruturas é que, a partir de uma legislação básica, os diversos especialistas podem encontrar as melhores soluções para garantir a poupança de milhares de investidores menos sofisticados. É um ganho de escala significativo que aumenta a eficiência da alocação de capital na economia e contribui para o crescimento do país.

Do ponto de vista do investidor, a possibilidade de acesso a aplicações mais rentáveis e os benefícios decorrentes da diversificação da carteira são vantagens expressivas. No longo prazo, o resultado é uma aposentadoria mais confortável para ser desfrutada no futuro.

Além do arcabouço legal que estabelece as atividades dos investidores institucionais, existem diversas entidades de classe que reúnem os participantes do setor para definir políticas e parâmetros de conduta com o objetivo de zelar pelas melhores práticas. No entanto, algumas vezes as coisas podem se desviar do caminho ideal.

Pragmaticamente, é impossível estabelecer uma legislação suficientemente rígida para impedir fraudes. O monitoramento do resultado das carteiras deve ser constante e exercido não apenas pelos órgão reguladores, mas também pelos participantes do mercado.

Durante muitos anos, no Brasil, a composição da carteira dos investidores institucionais foi rigidamente engessada. A consequência era a ineficiência. Com a evolução do mercado, os controles foram sendo gradualmente flexibilizados.

Um exemplo particularmente interessante é a legislação sobre fundos de investimento. Os gestores possuem muita liberdade de opções, desde que informem a política de investimento aos cotistas, calculem os resultados diariamente e divulguem a carteira mensalmente, entre outras obrigações.

Se o resultado não for satisfatório, o cotista tem a liberdade de resgatar os recursos. Informação e competição estimulam os gestores a ponderar o risco com o retorno esperado das estratégias de investimento.

AnosDificeis

Pelo que foi divulgado até o momento, as fraudes investigadas pela Operação Greenfield possuem uma estrutura relativamente simples, porém engenhosa: os fundos de pensão compravam ações de companhias fechadas por meio de fundos de investimento em participação (FIP) a preços superfaturados.

O objetivo dos fraudadores era o de postergar o máximo possível a descoberta das consequências do mau investimento. E deixar o prejuízo com os detentores dos planos.

Se os participantes do mercado não forem capazes de criar estruturas para alertar sobre potenciais riscos de fraudes na gestão dos fundos de pensão, talvez a alternativa seja eliminar essas entidades, dando liberdade aos participantes para escolherem a opção de investimento que julgarem mais conveniente.