Um passo além da “arquitetura aberta”

A possibilidade de o cliente de um banco comprar fundos de investimento sob gestão de um concorrente é chamada de “arquitetura aberta”. No mercado brasileiro, essa estrutura é um sucesso entre as carteiras classificadas na categoria multimercado.

Atualmente, a soma do patrimônio líquido dos fundos de investimento administrados por gestores independentes que são distribuídos pelos bancos de varejo já é maior do que o montante alocado nos fundos de ações sob gestão daquelas instituições.

Essa marca é significativa. Isso porque, de uma forma geral, os bancos de varejo preferem oferecer produtos mais simples em suas redes de distribuição.

Se o cliente tem interesse em arriscar mais para tentar conseguir maior retorno, tradicionalmente existiam duas opções nos bancos de varejo. Ou os fundos de ações indexados a algum indicador do mercado ou as carteiras compostas apenas por uma ação, como Petrobras ou Vale.

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A premissa por trás dessa estratégia de distribuição é a crença de que é mais simples explicar aos investidores as oscilações inerentes às aplicações mais agressivas se o fundo estiver atrelado a algum índice. Por exemplo, quando o investimento sobe ou cai na mesma proporção que o Ibovespa.

Como as variações dos indicadores de mercado são largamente noticiadas e avaliadas, o investidor pode contar com diversas análises de diferentes fontes para se sentir mais confortável com a aplicação. Esse é um fator que minimiza eventuais danos à reputação do banco.

A instituição quer evitar a imagem de que a recomendação para investir em determinado produto acabou levando o cliente a amargar perdas. Para minimizar esse risco, a solução conservadora é oferecer apenas aplicações indexadas.

Os gestores independentes, por sua vez, são empresas especializadas na administração recursos de clientes que demandam um estilo de gestão sofisticado e mais arriscado. Geralmente oferecem poucos fundos que, devido às características, são classificados nas categorias multimercado ou ações livre.

As carteiras podem investir em praticamente qualquer ativo, sem limites de alavancagem com relação à atuação nos mercado de derivativos e pouca restrição ao risco. Os limites de perdas são estabelecidos e alterados pelo próprio gestor.

Assim, o investimento pode ter boa rentabilidade mesmo quando os principais indicadores de mercado registram quedas. Ou exatamente o contrário, o que gera desconforto e prejuízos aos investidores.

Segundo dados da Anbima, a associação que representa as entidades do setor financeiro, o volume total de recursos aplicados em fundos de investimento no país alcança atualmente aproximados R$ 4 trilhões.

Nos rankings de administradores e de gestores de fundos de investimento elaborados pela associação, as cinco primeiras posições são ocupadas por Banco do Brasil (BB), Itaú Unibanco, Bradesco, Caixa e Santander. Somados, representam mais de 60% do patrimônio total do mercado.

A explicação para essa destacada liderança decorre, fundamentalmente, da capacidade de distribuição. A ampla rede de agências e a enorme gama de produtos e serviços oferecidos é uma vantagem competitiva.

De acordo com as informações do sistema Morningstar Direct, o volume total de recursos investidos nos fundos de investimento com mais de 250 cotistas dessas cinco instituições acumula cerca de R$ 1 trilhão.

Essa amostra captura as alternativas efetivamente disponíveis para os investidores, deixando de lado as carteiras destinadas aos grandes investidores institucionais.

Desse total, 90% do montante está aplicado em fundos de renda fixa, 8% em fundos multimercado e 2% em fundos de ações.

Praticamente a totalidade dos recursos investidos nas categorias renda fixa e ações é administrada pela gestora do próprio banco.

Mas na parcela de fundos multimercado, as carteiras com gestão da subsidiária do banco representam apenas 31% do total. Os fundos espelho, veículos que aplicam em outros fundos sob responsabilidade de gestores independentes, representam 21% do montante, os fundos multigestores, que investem de forma diversificada em várias carteiras de gestores independentes, somam o equivalente a 42% e 6% são carteiras que espelham fundos que investem no exterior.

O maior patrimônio das carteiras multimercado multigestores parece indicar que, mais importante do que o acesso a bons fundos por meio de uma “arquitetura aberta”, os investidores começam a demandar alternativas mais específicas, na forma de soluções estruturadas.

A conclusão é que um bom método para seleção de fundos é fundamental para atender a demanda dos clientes.

Fim do ciclo de queda dos juros é teste para multimercado

A captação dos fundos de investimento classificados na categoria multimercado atingiu R$ 38 bilhões no primeiro trimestre de 2018.

A rentabilidade passada tem sido um importante fator de atração de recursos. Mas a forte vinculação do desempenho do conjunto dos fundos com o ciclo de juros e a ausência de histórico para grande parte das carteiras dificultam estimativas para o comportamento daqui para frente.

Segundo dados da Anbima, a associação que representa as empresas que atuam no mercado financeiro, o montante direcionado aos multimercado entre janeiro e março deste ano equivale a 70% de todos os novos recursos captados no setor de gestão de recursos. A principal característica das carteiras é a ampla margem de manobra que os gestores possuem.

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Os responsáveis pelas decisões de investimento deste grupo de fundos podem comprar títulos pré ou pós fixados emitidos pelo Tesouro Nacional, bancos, financeiras ou empresas privadas. Podem, também, investir em qualquer título ou valor mobiliário, tais como ações, debêntures, cédulas de crédito bancário ou cotas de outros fundos, incluindo os de participação, de direitos creditórios ou de investimentos no exterior.

Os administradores têm, ainda, total liberdade para operar no mercado de derivativos. Isso inclui negociações de contratos futuros ou de opções, tanto com ativos negociados no Brasil quanto no exterior. E podem usar essas operações para alavancar as posições e apostar em qualquer moeda do mundo.

Finalmente, possuem a possibilidade de concentrar a carteira em poucas opções, com o objetivo de aumentar o risco e desprezar os efeitos da diversificação. A única exigência imposta pela regulamentação é formalizar essas faculdades no prospecto do fundo.

No caso extremo, é preciso deixar explícito ao cotista a possibilidade de ocorrer patrimônio liquido negativo. Nessa situação, além da perda total das aplicações, o investidor precisaria aportar mais recursos para ajudar a tapar o buraco causado pelo fundo.

O desempenho passado justifica o interesse dos aplicadores. Tradicionalmente, apesar de todos os riscos, a maioria dos fundos multimercados tem conseguido ganhos acima da variação do certificado de depósitos interfinanceiros (CDI). Especialmente nos períodos de queda da taxa Selic.

Entretanto, quando o momento é de alta dos juros, a conclusão sobre a performance global dos fundos multimercado não é tão evidente.

No período recente, o Brasil passou por cinco ciclos de ajustes na taxa Selic. A estratégia do Banco Central (BC) é aumentar ou reduzir a taxa básica em linha com a expectativa para a inflação.

O primeiro ciclo recente começou em 22 de janeiro de 2009, quando entrou em vigor a taxa de 12,75% ao ano definida na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do dia anterior. Desde então houve mais quatro reduções e no dia 28 de abril de 2010 a taxa marcava 8,75% ao ano.

A partir de 29 de abril de 2010 teve início um ciclo de alta que acabou com a taxa Selic em 12,50% ao ano no dia 31 de agosto de 2011. Nesse dia, numa decisão polêmica e controversa, o Copom começou mais um ciclo de baixa que terminou com a Selic em 7,25% ao ano em 17 de abril de 2013.

A partir de 18 de abril de 2013 a taxa voltou a subir e, após um período de interrupção dos reajustes entre junho e outubro de 2014, atingiu 14,25% no dia 30 de julho de 2015, permanecendo neste patamar até 19 de outubro de 2016.

Desde então entramos num novo ciclo de baixa dos juros e a Selic tende a ser reduzida até 6,25% ao ano a partir da próxima reunião do Copom em 16 de maio, conforme sinalizações dos diretores do BC.

Uma característica dos fundos multimercado é que poucos possuem histórico suficientemente longo para uma análise minimamente consistente. Segundo os dados da Morningstar, uma empresa especializada no acompanhamento de ativos financeiros, existem atualmente 528 carteiras com mais de 50 cotistas e patrimônio acima de R$ 50 milhões.

Mas os fundos com histórico desde 22 de janeiro de 2009, que servem como amostra para o comportamento em todo o ciclo recente de mudanças dos juros, somam apenas 128. O desempenho desses fundos em relação ao CDI está ilustrado no gráfico.

Na prática, a ausência de uma ampla série histórica é suprida com dados sobre o processo de investimento, experiência profissional e formação acadêmica dos responsáveis pelo fundo.

Em alguns casos extremos, no entanto, informações genéricas tais como hobbies ou interesses diversos dos administradores podem virar argumentos de venda para uma carteira. No ambiente atual, convém ao investidor redobrar os cuidados.

Consumo das famílias explica captação da Poupança

A caderneta de poupança registrou captação de R$ 17 bilhões em 2017, equivalente a 2,6% do saldo final que foi contabilizado em 31 de dezembro de 2016. Somando os rendimentos creditados no período, o total dos depósitos atingiu o montante de R$ 725 bilhões.

Já a rentabilidade acumulada no ano foi de 6,6%, considerando as contas com aniversário no primeiro dia do mês. Esse valor é igual a 67% da variação do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI) no mesmo período. O CDI é o principal parâmetro de referência para os investimentos de renda fixa.

Uma aplicação num fundo de renda fixa atrelado ao CDI e com taxa de administração de 1,5% ao ano teria rendido em 2017 aproximadamente 8,5%. Descontando o imposto de renda de 20% sobre os rendimentos, o ganho líquido da aplicação seria de 6,8%, pouco mais do que a poupança.

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Como atualmente é relativamente simples para o investidor ter acesso a fundos de investimento conservadores com taxas de administração de 1,5% ao ano ou menos, fica a dúvida sobre os motivos que justificam a atração pela poupança.

A caderneta tem a desvantagem de ter os rendimentos creditados apenas uma vez por mês. Os saques anteriores ao aniversário mensal não recebem a remuneração proporcional do período, ao contrário da maioria das demais alternativas.

Além disso, a fórmula de cálculo da rentabilidade da poupança é extremamente complexa. Envolve a média da remuneração dos certificados de depósitos bancários emitidos pelas instituições financeiras e um redutor arbitrado pelo Banco Central.

Essa falta de transparência contrasta com a legislação sobre os fundos de investimento, por exemplo. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) exige a divulgação diária das cotas refletindo o valor dos ativos da carteira, balanços auditados e regras para a publicação dos resultados passados, dentre outras obrigações.

Apesar de tudo, os dados do censo sobre créditos garantidos de junho de 2017, elaborado pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC), mostra que existiam 61 milhões de clientes com saldo superior a R$ 100 na caderneta. É um número expressivo.

Não existem dados disponíveis sobre o número de investidores em fundos de investimento e de previdência, mas estimativas com base na quantidade de cotistas apontam para um número significativamente menor do que o de aplicadores na poupança.

A rentabilidade média da caderneta nos últimos dez anos foi de 68% da variação do CDI, com alguma oscilação de ano para ano. Mais relevante para o aplicador tradicional, de 2008 até 2017, com a exceção de 2015, o rendimento da poupança sempre superou a inflação do ano.

Mas o rendimento acima da inflação não explica a oscilação do fluxo de recursos direcionado para a caderneta. A correlação entre rentabilidade e captação em períodos anuais é zero.

A correlação é um indicador estatístico que varia de -1 até +1 e mede o quanto uma variável está atrelada ao desempenho de outra. Correlação igual a zero significa que as variáveis se comportam de maneira independente, quando comparadas linearmente.

Quando a correlação é igual a +1 significa que as variáveis se comportam na mesma direção de forma quase que previsível. E a correlação igual a -1 indica que as variáveis tomam caminhos opostos.

Dentre os diversos fatores capazes de justificar o comportamento da captação da caderneta, o mais promissor parece ser a variação do consumo das famílias, conforme calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Analisando os dados anuais dos últimos dez anos, verifica-se que correlação entre o consumo das famílias e o fluxo de recursos para a poupança é igual a 0,7. A interpretação para esse fato é que quando a renda das famílias aumenta, uma parte vai para o consumo e outra para a caderneta de poupança.

Os anos de 2015 e 2016 marcaram uma forte retração do consumo das famílias. Esse mesmo período coincidiu com resgates na poupança.

Com a recuperação econômica e a queda esperada do desemprego, a previsão é de recuperação do consumo das famílias nos próximos anos. A tendência, então, é de aumento da captação da caderneta.

O fato de existirem alternativas de investimento mais rentáveis e com maior liquidez do que a poupança não deve ser interpretado como sinal de que os investidores não sabem distinguir entre boas e más oportunidades.

Mas não deixa de ser intrigante o fato de que o total de contas de caderneta de poupança com saldo superior a R$ 500 mil ter aumentado 9% nos 12 meses encerrados em junho de 2017. Sinal de que a demanda por orientação financeira de qualidade e independente é alta.

Mesmo com opções, escolhas seguem difíceis para o investidor

A variação dos principais índices de referência do mercado financeiro brasileiro foi largamente positiva nos últimos 12 meses encerrados em janeiro de 2018.

A rentabilidade acumulada no período do Certificado de Depósitos Interfinanceiros (CDI) foi de 9,40%. O CDI tem uma estreita relação com a Selic, atualmente fixada em 6,75% ao ano.

Já o IMA Geral – indicador que mede o ganho de uma carteira diversificada de títulos públicos – subiu 12,79% em 12 meses. Boa parte do rendimento foi ocasionado pela valorização dos papéis devido à queda dos juros para as operações de longo prazo.

E o Ibovespa, principal referência para o desempenho das ações negociadas na bolsa brasileira, teve alta de 31,3% no período. A melhora da economia e a queda do custo de capital para as empresas foram os fatores que fundamentaram o bom desempenho das ações.

Nesse ambiente altamente positivo seria natural esperar que a rentabilidade geral dos fundos de investimento, especialmente os mais agressivos, superasse com alguma folga os indicadores de referência do mercado. No entanto, não foi isso que aconteceu.

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A avaliação de uma listagem de fundos das categorias multimercado e ações disponibilizados nas principais plataformas de distribuição realça a dificuldade dos aplicadores para encontrar boas alternativas de investimento quando as ofertas são muito extensas.

As plataformas de distribuição são estruturas administradas por bancos ou corretoras que buscam oferecer uma ampla variedade de opções para o investidor. Na teoria, a diversidade proporciona maiores ganhos.

Assumindo que os distribuidores selecionam os melhores produtos disponíveis no mercado, o esperado seria que, dentro deste universo, qualquer escolha que fosse feita pelo investidor teria boas chances de produzir bons resultados.

Uma forma para testar o argumento é verificar se a mediana da rentabilidade das carteiras oferecidas nas plataformas de distribuição foi superior aos índices de referência do mercado.

A mediana é um indicador que divide uma amostra em duas metades. No caso de uma lista de fundos, acima da mediana ficam a metade dos fundos com melhor desempenho. Abaixo da mediana, os fundos com pior rendimento.

A média de uma amostra, especialmente da rentabilidade de ativos financeiros, sempre pode ser influenciada por algumas poucas carteiras com desempenho muito positivo ou negativo. A mediana tende a minimizar o efeito de valores extremos.

Para entender o conceito, imagine que um investidor escolheu quatro fundos em uma plataforma de distribuição. Numa situação normal, o esperado é que o investidor aplique em dois fundos com rendimento acima da mediana e dois com rendimento abaixo.

Se nenhum desses quatro fundos hipotéticos tiver desempenho excepcional, para cima ou para baixo, a expectativa é que o investidor consiga rentabilidade próxima da mediana.

Listando todos os fundos das principais plataformas de distribuição e fazendo efetivamente todos os cálculos, é possível constatar que a mediana da rentabilidade dos fundos multimercado ficou acima do CDI, mas foi menor do que o IMA Geral. E a mediana da rentabilidade dos fundos de ações foi inferior ao Ibovespa.

Isso significa que são grandes as chances de um investidor aplicar numa carteira de fundos mais agressivos e terminar com rendimento menor do que uma alternativa mais conservadora e que busque apenas seguir determinado parâmetro de referência. Especialmente se o investidor fizer essa seleção por sua conta e risco, sem ajuda de uma assessoria mais especializada.

No extremo oposto, se o investidor ficar assustado com a quantidade de alternativas disponíveis e optar apenas pelas opções mais conservadoras, pode perder a chance de obter um relevante ganho adicional.

O interessante é que esse padrão ocorreu num período com uma certa tendência de alta dos mercados, apesar das turbulências devido a quedas abruptas provocadas por fatores que estavam fora do radar dos especialistas.

Os números parecem indicar que ter acesso a uma boa plataforma de distribuição de fundos e demais produtos financeiros é importante, mas não suficiente para ter bons rendimentos. É fundamental selecionar as opções disponíveis com critério.

Maior risco não pressupõe retorno mais elevado

Se tudo acontecer conforme o esperado, daqui a cinco semanas o Comitê de Política Econômica do Banco Central deverá fixar a taxa Selic em 7% ao ano, o menor nível da série histórica iniciada em 1996. A principal dúvida, agora, é estimar por quanto tempo a taxa permanecerá em patamar tão baixo.

O fator determinante para a duração do futuro período de juros reduzidos será o comportamento da inflação. Hoje as previsões apontam para variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 3,1% para 2017 e 4,0% para 2018. Se a inflação nos próximos anos permanecer nesse patamar, a Selic tende a continuar baixa.

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A queda do IPCA foi consequência, em larga medida, da maior e mais prolongada recessão da economia brasileira. Segundo cálculos do Comitê de Datação dos Ciclos Econômicos (Codace), o período de retração começou no segundo trimestre de 2014 e terminou no último trimestre de 2016, provocando queda acumulada de 8,6% do PIB.

Com a recessão houve aumento do desemprego, diminuição dos salários e redução dos gastos empresariais com investimentos. Nesse ambiente, foi difícil reajustar preços ou tentar recompor as margens de lucro.

A recessão também contribuiu para acelerar o ajuste das contas externas. Isso porque a redução da demanda por produtos fabricados no exterior possibilitou ao país continuar acumulando reservas internacionais, o que provocou a queda da cotação do dólar em relação ao real. O dólar mais baixo foi um componente relevante para a queda da inflação.

A consequência negativa do ciclo recessivo foi o desequilíbrio das contas públicas e uma crise política de difícil solução.

É nesse clima que a equipe econômica tenta aprovar as reformas consideradas essenciais para recolocar o país numa trajetória de crescimento sustentável a longo prazo. E manter a inflação controlada, mesmo com a economia crescendo.

Para os investidores o atual cenário é de juros reais, acima da inflação, mais baixos. Se a Selic estacionar em 7% ao ano e a variação do IPCA não ultrapassar 4% ao ano, o ganho real será de aproximadamente 3% ao ano. É uma queda significativa em relação aos 8,8% ao ano registrados nos últimos 12 meses.

A queda dos juros tem estimulado a busca por ativos de risco. A bolsa subiu, os fundos multimercado registram captações expressivas, os negócios envolvendo Certificados de Operações Estruturadas (COE) deram um salto e os fundos imobiliários voltaram a entrar no radar dos investidores.

A premissa por trás desse movimento é que, para ganhar mais, é preciso correr mais risco. De fato, a avaliação empírica do comportamento das diversas classes de ativos financeiros mostra que ganhos maiores estão associados a oscilações maiores.

Tome o caso dos fundos de ações, a categoria mais rentável no ano. Todos registraram perdas expressivas no dia 18 de maio, quando foi divulgado o conteúdo da delação dos principais executivos do grupo JBS.

Houve casos de prejuízos de até 30% no dia que demoraram quatro meses para serem recuperados. No entanto, passada a pior fase, a rentabilidade acumulada no ano é altamente positiva.

A observação descuidada do desempenho dos ativos financeiros pode passar a ideia de que basta assumir mais risco para conseguir retorno mais elevado. Na edição de agosto / setembro de 2017 da revista Morningstar, Paul D. Kaplan desmistifica essa ideia.

Para o especialista a origem da confusão é a interpretação equivocada dos resultados obtidos nos modelos de otimização de carteira. A base teórica para encontrar a combinação mais eficiente entre risco e retorno é fundamentada nas ideias desenvolvidas por Harry Markowitz, considerado um dos mais importantes teóricos de finanças.

A hipótese é que, dada a rentabilidade passada e a oscilação do preço de cada ativo financeiro, é possível estabelecer as combinações mais eficientes entre todas as opções disponíveis. A única premissa é que, para um dado nível de retorno, o investidor sempre irá preferir a alternativa menos arriscada.

A partir daí é possível criar conjuntos de carteiras com o maior retorno possível para cada patamar de risco. No entanto, como os dados são calculados com base na variação histórica dos ativos, não é possível fazer uma extrapolação direta para o comportamento futuro.

Essa sensibilidade é fundamental. Para ter retorno mais alto é preciso correr mais riscos. Mas simplesmente investir em ativos mais arriscados não é garantia de maior retorno.

Retorno do investidor é diferente de ganho do fundo

Quase dois terços dos fundos de ações registraram rentabilidade acima do Ibovespa no período de janeiro a julho deste ano, conforme indicado pelos mais variados rankings.

A análise de uma amostra mais específica, reunindo 261 carteiras com um mínimo de 100 cotistas, patrimônio líquido acima de R$ 50 milhões e potencialmente acessíveis aos investidores, indica que a média de ganho dos fundos foi 2,7 pontos percentuais superior à variação do principal indicador da bolsa brasileira.

Apesar do excepcional desempenho obtido pelo conjunto de gestores, uma boa parte dos cotistas desses fundos não conseguiu os mesmos retornos listados nas tabelas de rentabilidade. De forma surpreendente, o ganho percebido por diversos investidores foi menor do que o apresentado pelas carteiras.

Do ponto de vista prático, quando analisaram os extratos dos investimentos, muitos perceberam que o desempenho das aplicações foi inferior ao que foi divulgado pelo fundo. A falta de entendimento sobre essa defasagem pode gerar insegurança a respeito da conveniência de manter a aplicação.

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A explicação para a diferença de rendimentos está relacionada com o momento em que o investidor tomou a decisão de aplicar em determinada carteira. Como a rentabilidade passada é um forte chamariz para atrair mais investidores, um volume grande de aplicações tende a ocorrer após um período de maior rentabilidade do fundo.

Essa é a regra geral. Apesar de todas as ressalvas, o desempenho anterior estimula o aumento da captação de recursos para a carteira.

Imagine o caso prático de um fundo que teve excelente desempenho no primeiro trimestre do ano. Com o destaque conseguido em função da divulgação dos números de rentabilidade, o esperado é que ele atraia mais recursos nos períodos seguintes.

Entretanto, como o desempenho dos gestores tende a ser cíclico, é provável que a rentabilidade no restante do ano acabe sendo inferior àquela que foi obtida no primeiro trimestre, em termos relativos. Nesse caso, para o desconforto dos novos investidores, o pior desempenho acontece justamente durante os meses em que o fundo captou mais recursos.

Boa parte dos investidores fica, então, com a sensação de que tomou a decisão de aplicar no momento errado. Sem parâmetros e na falta de uma análise consistente, há o risco de escolhas erradas.

Existe um padrão para estimar o retorno do investidor em fundos de investimento. Segundo a metodologia usada pela Morningstar, o objetivo é calcular uma taxa de retorno que igualaria o patrimônio final do fundo conforme divulgado nas demonstrações contábeis, a partir do patrimônio inicial e considerando todos os fluxos de captação e resgates.

Feitas as contas para os fundos de ações integrantes da amostra anteriormente definida, constata-se que a diferença média entre o retorno do investidor e a rentabilidade dos fundos no período de janeiro a julho deste ano foi negativa. De fato, os fundos mais rentáveis atraíram mais recursos, mas não conseguiram manter o bom desempenho após o aumento do patrimônio.

A média da diferença entre o retorno do investidor e o ganho dos fundos foi de -3,9 pontos percentuais. A mediana, uma estatística que busca amenizar os efeitos extremos, foi de -2,1 pontos percentuais.

O fato de o retorno do investidor ser menor do que o desempenho do fundo no período completo não é, necessariamente, negativo. Desde que os ganhos totais do investidor superem os principais índices de referência do mercado, esse custo pode ser suportável.

Mas não foi o que aconteceu no período analisado. A diferença entre a média do retorno do investidor e a rentabilidade do Ibovespa foi de -1,2 pontos percentuais.

De forma intrigante, apesar da média do retorno dos fundos ter superado com folga o rendimento do Ibovespa, o retorno médio do investidor em fundos foi inferior ao indicador.

A maneira consistente de encarar a diferença entre o retorno do investidor e o ganho dos fundos é reavaliar periodicamente os objetivos do investimento. Além de escolher um bom fundo de um gestor confiável, é fundamental manter bem definido o motivo daquela aplicação financeira.

É natural que os fundos mais rentáveis acabem se destacando e chamando a atenção. Mas em vez de admirar a capacidade do gestor, mais importante é identificar como aquele fundo pode ser útil para compor a estratégia global da carteira.

Impacto das perdas do dia 18 de maio nos investimentos

Em finanças, um evento considerado raro, mas que após um período acaba acontecendo com frequência maior do que o anteriormente imaginado, é chamado de “cisne negro”. O professor e investidor Nassim N. Taleb foi o responsável pela popularização do conceito.

Tradicionalmente, a premissa usada para avaliar os ativos financeiros é que existe certa expectativa de retorno associada a uma determinada incerteza, causada por fatores aleatórios.

Por exemplo, ao estudar uma empresa um analista pode concluir que o lucro tende a crescer 10% naquele ano. No entanto, dadas as oscilações intrínsecas do negócio, pode estabelecer que o intervalo de crescimento dos ganhos da companhia ficará entre 0% e 20%, com 95% de confiança nas suas projeções.

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De posse dessa informação, um investidor que possua como alternativa aplicar num título com rendimento garantido de 8% no fim de um ano tem condições de decidir o que é mais vantajoso: arriscar para tentar aumentar o ganho em dois pontos percentuais comprando ações da companhia ou escolher a aplicação segura.

A probabilidade de o lucro da companhia triplicar é considerada remota, para efeitos dessa análise. De forma inversa, a chance de falência da empresa é considerada desprezível.

Nesse ambiente idealizado, as alocações de investimento são feitas considerando o montante de risco que se quer correr visando atingir determinado retorno. Quanto maior o risco assumido, maior será a possibilidade de lucros. A contrapartida é que os prejuízos também podem ser grandes.

Uma política de administração de riscos, então, passa a ser essencial. Existem diversos indicadores usados para medir as incertezas. Um dos mais populares é o chamado VaR, a sigla em inglês para valor em risco.

O objetivo do VaR é estabelecer a perda máxima esperada de uma carteira de aplicações diversificadas em títulos e valores mobiliários, considerando um certo nível de confiança, na hipótese de ocorrer uma queda generalizada dos mercados.

Como parâmetros para o indicador, são considerados a oscilação dos ativos no passado e o grau de correlação entre eles. O risco da carteira é diretamente proporcional à correlação.

O problema é que, muitas vezes, as surpresas são mais intensas do que o originalmente previsto pelos modelos estatísticos. E o prejuízo acaba ultrapassando o que foi estimado.

Um exemplo ocorreu em 18 de maio, o dia seguinte à divulgação da delação dos sócios e executivos da JBS, que enredou a companhia e uma longa lista de políticos em atividades consideradas ilícitas.

No fechamento daquele dia, o IMA Geral – indicador que mede o comportamento dos títulos públicos de renda fixa – caiu 3,6%, o Real desvalorizou quase 9% e o Ibovespa perdeu 8,8%. O tamanho dos prejuízos foi surpreendente.

Considerando como referência o VaR de 1 dia, com 99% de confiança e a volatilidade registrada entre 2 de janeiro e 17 de maio de 2017, a queda do IMA Geral no dia 18 de maio foi 12,4 vezes superior ao que seria esperado. Pelos mesmos critérios, a desvalorização cambial foi 5,5 vezes maior e o prejuízo do Ibovespa foi 3,4 vezes acima do previsto.

A queda acentuada e surpreendente dos indicadores teve reflexos nos fundos de investimento, principalmente os das categorias ações e multimercado.

Entre os fundos de ações com patrimônio acima de R$ 10 milhões e mais de 50 cotistas, 88% registraram queda entre 3 a 6 vezes superior ao respectivo VaR de 1 dia e com 99% de confiança. Apenas 5% perderam mais do que 6,0 vezes o VaR. O restante perdeu até 3,0 vezes o VaR. Os dados são da Morningstar.

Já entre os multimercados, usando o mesmo corte, o desempenho foi mais disperso e pode ser dividido em três grupos com quantidades iguais de carteiras. O primeiro grupo contabilizou perdas de até 3,0 vezes o VaR. O segundo, registrou perdas entre 3,0 e 9,0 vezes o VaR. E o terceiro amargou perdas superiores a 9,0 vezes o VaR.

Perdas como as que ocorreram no dia 18 de maio tendem a se repetir com alguma frequência. Especialmente porque quanto menor a volatilidade em determinado período, maior tendem ser as apostas.

Daí a ideia de Taleb de apostar nos cisnes negros e nos chamados ativos “antifrágeis”, outro conceito desenvolvido pelo professor e investidor. O ideal seria buscar alternativas que produzam ganhos com eventos extremos.

Os gestores de fundos possuem uma série de argumentos para justificar o desempenho das carteiras que administram. Do ponto de vista pragmático, para o investidor, o mais importante é entender as estratégias que serão adotadas daqui por diante. E manter, como regra geral, as aplicações da forma mais simples possível.

Compra da XP evidencia padrões fiduciários e de adequação

Em várias transações comerciais, é perfeitamente aceitável que a remuneração do intermediário seja estabelecida na forma de uma comissão proporcional ao montante pago pelo comprador ao vendedor.

Um caso típico é o valor da corretagem nos negócios com imóveis. Ou a comissão recebida pelo vendedor de automóveis. Nesses casos, é raro haver questionamentos sobre eventuais conflitos de interesses.

Boa parte dos serviços financeiros envolve a intermediação entre partes interessadas em uma transação. Assim, o pagamento de comissões vinculadas ao montante negociado é frequente. A diferença é que, algumas vezes, isso ocorre de forma indireta.

Especificamente no segmento de fundos de investimento, a taxa de administração da carteira possui uma dupla finalidade. Serve para remunerar tanto a atividade de gestão dos ativos quanto o trabalho envolvido na distribuição de cotas e orientação aos clientes.

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Do ponto de vista pragmático, o investidor tem à disposição diversas formas de aplicação. Cada modalidade possui determinada característica de risco e retorno. Cabe ao profissional financeiro selecionar as alternativas e indicar as melhores opções ao cliente, dado um determinado objetivo de investimento e um horizonte de tempo.

Como consequência da estrutura de remuneração com base no valor da transação, a lógica do corretor de imóveis, do vendedor de automóveis e, muitas vezes, do distribuidor de produtos financeiros acaba sendo a mesma: é mais rentável negociar o produto mais caro do que o mais barato.

Existe um atenuante, no entanto. Como a regra de bolso estabelece que o preço é diretamente proporcional à qualidade, pode não haver conflito entre os interesses do vendedor e do cliente se o negócio envolver a alternativa mais cara. A justificativa é que, simplesmente, o cliente comprou o melhor produto.

Mas é preciso cautela. A regulamentação separa as atividades dos intermediários financeiros conforme dois padrões de atuação.

O padrão fiduciário é quando os agentes das instituições financeiras agem conforme os melhores interesses dos clientes. Já o padrão de adequação é quando os profissionais financeiros possuem uma base razoável para acreditar que a transação recomendada é adequada para o cliente.

No segmento de administração de recursos, o padrão fiduciário é adotado para as atividades que envolvem a gestão dos fundos de investimento. O padrão de adequação é usado para regulamentar os negócios de distribuição de produtos financeiros.

O padrão fiduciário estabelece controles rígidos para o que pode e o que não pode fazer parte da carteira de um fundo. Por exemplo, devem ser claramente estabelecidos os percentuais máximos de ativos emitidos por companhias privadas, a estratégia para utilização dos instrumentos negociados no mercados futuros, opções e demais derivativos ou o montante dos ativos negociados no exterior.

O padrão de adequação obriga a instituição financeira a fazer uma avaliação do perfil do investidor e manter uma classificação de todos os produtos oferecidos. A exigência é que os produtos vendidos ao investidor sejam coerentes com o perfil de risco aferido.

O mercado de fundos de investimento vem passando por transformações importantes. Basicamente, existem duas maneiras de fazer a administração de recursos. Uma chamada de gestão ativa e outra conhecida como gestão passiva.

Na gestão ativa, o objetivo é encontrar as alternativas que podem proporcionar os maiores retornos dado as expectativas para os cenários futuros. Na gestão passiva a meta é simplesmente indexar a carteira a um determinado indicador de mercado.

Uma tendência global aponta para a redução do montante de recursos administrados na forma de gestão ativa e o crescimento do volume financeiro dos fundos com gestão passiva. Isso porque a relação entre o retorno e o risco da gestão ativa não tem se mostrado favorável e o custo da gestão passiva é significativamente mais baixo.

Como consequência, a margem para pagamento de rebates de taxa de administração para remunerar a distribuição de fundos vem diminuindo. A expectativa, então, é que a cobrança direta pela assessoria financeira aumente.

A aquisição da XP pelo Itaú Unibanco reforça uma tendência de separação das atividades de produção e distribuição de produtos financeiros. Falta ainda, no mercado brasileiro, o crescimento de uma atividade de assessoria financeira independente.

O negócio de distribuição de produtos financeiros caminha para se transformar numa atividade com padrão fiduciário, na qual os interesses dos clientes serão claramente colocados como prioridade. Até lá, é prudente que o investidor mantenha a devida cautela com as recomendações de investimento dos distribuidores.

Onde encontrar os melhores fundos de investimento?

Escala é um fator importante no negócio de gestão de recursos de clientes. Quanto maior o volume de ativos que uma empresa administra, menor tende a ser o custo dos produtos oferecidos como proporção dos ativos totais. A consequência para o investidor que aplica nos fundos daquela gestora é uma melhor relação entre risco e retorno para suas economias.

Isso acontece porque a estrutura necessária para administrar, por exemplo, R$ 1 bilhão não muda muito caso o montante aumente para R$ 5 bilhões.

Para entender o raciocínio, suponha que os custos anuais da gestora sejam de R$ 10 milhões. Se o volume total sob gestão for de R$ 1 bilhão, a taxa de administração de equilíbrio seria equivalente a 1% ao ano sobre o valor dos ativos.

Considere, agora, que o patrimônio do fundo aumentou para R$ 5 bilhões. Nesse caso a gestora poderia reduzir a taxa de administração para 0,25% ao ano e ainda assim aumentar em 25% os ganhos em relação à situação inicial.

ArquiteturaAberta

A redução dos custos cobrados pela gestão dos ativos tem impacto direto sobre a rentabilidade do investidor. Imagine um fundo que acompanhe um determinado indicador com expectativa de ganho de 10% no período de um ano. Com taxa de administração de 1% ao ano, o ganho do investidor será de 9%, equivalente a 90% da variação do índice de referência.

Mas se a taxa de administração do fundo cair para 0,25% ao ano, o ganho esperado será de 9,75%, equivalente a 97,5% do parâmetro. É uma diferença significativa.

No Brasil, cerca de 60% dos ativos aplicados em fundos de investimento estão nas mãos dos três maiores administradores: Banco do Brasil, Itaú Unibanco e Bradesco. Nos Estados Unidos, os três maiores gestores possuem pouco menos de 40% de participação de mercado. Os dados são da Morningstar.

Apesar da maior concentração do mercado brasileiro, as taxas de administração dos fundos de investimento no país são maiores do que nos Estados Unidos. Especialmente para os investidores de varejo.

A justificativa dos grandes bancos é que o volume total de recursos no Brasil é significativamente menor do que o existente no mercado americano, o que reduziria os ganhos de escala. Além disso, os custos no país, representados por tributos, exigências da legislação e manutenção dos canais de distribuição são mais elevados. A comparação entre o mercado brasileiro e o americano, portanto, não seria justa.

Mais importante do que discutir a validade dos argumentos dos bancos é avaliar a evolução dos mercados aqui e lá fora. O Fórum Morningstar de abril, evento realizado periodicamente que reúne especialistas do setor, abordou as tendências na distribuição de fundos.

Existem duas formas de comercializar fundos de investimentos. Uma é por meio da arquitetura fechada, assim chamada porque nessa modalidade uma instituição oferece apenas as carteiras que ela própria administra.

A outra maneira é a arquitetura aberta, na qual diversos distribuidores comercializam uma gama variada de produtos financeiros administrados por várias instituições. O conceito é semelhante ao de um supermercado, onde o investidor pode encontrar em um único local todas as aplicações que está buscando.

Nas últimas décadas aconteceram mudanças drásticas na forma como os fundos são adquiridos pelos clientes nos EUA e Europa. No passado existia somente a arquitetura fechada. Hoje há a predominância da arquitetura aberta, com a participação expressiva de diversas corretoras “online” e cerca de 300 mil agentes autônomos de investimento interagindo com os clientes.

Além disso houve o crescimento da remuneração dos assessores de investimento diretamente pelos clientes com base em comissões sobre a prestação de serviços de consultoria, em oposição ao tradicional esquema de rebate de parcela da taxa de administração dos produtos comprados pelo investidor.

Com a evolução do mercado a regulamentação passou a dar mais ênfase na responsabilidade fiduciária dos assessores de investimento e demais profissionais envolvidos na assessoria de clientes.

O resultado foi uma mudança radical na relação dos maiores gestores. Da lista dos cinco maiores em 1986, apenas uma empresa, a Fidelity, continua no grupo em 2016. Essa mudança tende a se repetir no Brasil.

Hoje os grandes bancos de varejo já oferecem produtos de outros gestores em suas plataformas para clientes do private banking. Recentemente o Itaú começou a oferecer as mesmas facilidades para os clientes de alta renda.

A tendência é que em breve outros bancos de varejo sigam o exemplo e produtos de terceiros comecem a ser disponibilizados também no varejo. A arquitetura aberta será o padrão.

E para navegar com segurança nesse novo ambiente, o investidor irá demandar assessoria de qualidade, educação financeira e compreensão sobre o valor adicionado dos profissionais envolvidos na gestão de recursos.

Nova classificação Anbima confunde

A nova organização dos fundos de investimento imposta pela Associação Nacional das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) é ruim.

Um dos principais problemas é a possibilidade de que carteiras com política de investimento semelhante sejam classificadas em categorias distintas. E que fundos incluídos na mesma classe possam ter características substancialmente diferentes, como a tributação.

Segundo a cartilha da nova classificação, o objetivo foi agrupar os fundos em três níveis. O primeiro considera a classe dos ativos: renda fixa, ações ou multimercados, por exemplo. O segundo, os riscos que o investidor estará correndo ao aplicar naquela carteira, tais como o prazo de vencimento dos títulos ou o vínculo com determinados índices de mercado e o terceiro, as estratégias de investimento usadas na gestão do fundo.

A ideia foi boa, mas houve falhas na implementação. Na renda fixa os problemas foram maiores. Um fundo DI pode ser corretamente classificado tanto como “indexado” quanto “duração baixa”, o que prejudica as comparações.

Uma confusão desnecessária é não identificar os fundos de curto prazo, que não contam com o benefício fiscal da redução do imposto de renda sobre os ganhos. Eles ficam na mesma categoria das carteiras que podem ter a alíquota do imposto reduzida a 15%, de acordo com o prazo de permanência.

Outro destaque negativo é a quantidade de classes na renda fixa, que passaram a ter nomes obscuros e com pouco significado para o investidor comum. Se já é difícil entender como se comporta um fundo DI, imaginar o que pode acontecer com uma carteira classificada como “duração baixa grau de investimento” ou a diferença para um fundo “duração média soberano” fica além da capacidade de quase a totalidade dos aplicadores.

A base para a segmentação dos fundos de renda fixa foi o prazo médio de recebimento do fluxo de caixa dos títulos que fazem parte da carteira, ponderados pelo valor presente de cada ativo. É um cálculo que apenas o gestor pode fazer e virtualmente impossível de ser verificado por terceiros. O nome desse indicador é “duração”.

Conceitualmente, quanto maior o prazo médio, mais intensa é a oscilação diária das cotas do fundo. Para a Anbima, as carteiras podem ter duração baixa, média, alta e livre.

As referências para a definição da duração média e alta são aquelas do IRF-M e do IMA-G, dois índices calculados pela associação. O problema é que o IRF-M mede o desempenho de títulos prefixados e o IMA-G inclui ainda papéis indexados ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e vinculados à taxa Selic.

Da maneira como foi estruturada, a classificação permite que dois fundos com a mesma duração tenham risco substancialmente diferentes. Basta que um deles concentre as aplicações em títulos prefixados e outro em papéis indexados ao IPCA.

Se o objetivo era criar um desafio para estimular a educação financeira, a estratégia tende ao fracasso. O esforço do investidor que buscar compreender o significado da “duração” do fundo pode, na prática, não ser recompensado. Ao contrário, é possível que desestimule a curiosidade, por gerar mais dúvidas.

Para a Anbima os fundos de renda fixa podem ser, ainda, do tipo soberano, grau de investimento e livre, de acordo com os papéis que fazem parte da carteira. O resultado é que a variedade de combinações amedronta. São 12 possibilidades que levam em conta em conta as quatro alternativas de duração com as três opções para o risco de crédito. Isso sem contar os fundos “simples”, “indexados”, “investimento no exterior” e “dívida externa”.

No fim, a complexidade pode ser medida em números. De cinco tipos na classificação anterior (curto prazo, DI, renda fixa, renda fixa índice e crédito), agora o investidor tem que escolher entre 16 classes.

O mercado brasileiro não é tão amplo a ponto de tornar todas essas categorias relevantes. Uma solução é analisar o desempenho dos fundos agrupando as categorias, para não se perder no emaranhado de alternativas.

Segundo dados da Anbima, 46% do patrimônio dos fundos de renda fixa está alocado nas categorias duração baixa soberano ou grau de investimento. É possível generalizar e afirmar que são categorias idênticas.

Dada as condições atuais do mercado brasileiro, há pouca diferença no conjunto formado por duração média, alta e livre, soberano ou grau de investimento. A soma dessas categorias atinge 42% do montante. Também é seguro combinar essas carteiras.

Renda fixa indexado representa 6% do total e a categoria crédito livre de duração baixa, média, alta ou livre soma 5%. Simples, investimento no exterior e dívida externa reúnem 1% do patrimônio.

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Nas classes multimercado e ações não houve mudanças significativas, já que a maior parte dos fundos continua classificada como “livre”. Reúnem pouco mais da metade do patrimônio dos multimercado e 57% do total de ativos dos fundos de ações (desconsiderando os fechados).

A classificação “livre” dá ao gestor ampla liberdade para adotar as estratégias que julgar mais conveniente. O que, de certa forma, é o esperado pelo investidor que escolhe alternativas mais agressivas.

Nesse contexto, as classificações valor e crescimento, dividendos, sustentabilidade e governança, “small caps”, setoriais, macro, “trading”, “long and short” e juros e moeda acrescentam um certo tempero à estratégia de investimento adotada pelo gestor. Podem não ser cristalinas, mas não prejudicam o aplicador que busca maior risco.

Na renda fixa a situação é diferente. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central (BC) podem estar diante de um problema com potencial de se tornar grave.

Os fundos classificados como duração baixa, média, alta e livre, soberano ou grau de investimento reúnem R$ 1,2 trilhão de patrimônio. Basicamente a carteira desses fundos é composta por títulos públicos federais, operações compromissadas e papéis de bancos e empresas de primeira linha.

Dado o atual ambiente de negócios no Brasil, as dúvidas provocadas nos investidores com a reclassificação das carteiras pode detonar uma onda de resgate. É prudente reformular a forma de divulgação dos fundos pela Anbima. Não vale a pena correr riscos com assuntos relacionados à estabilidade financeira.