Um passo além da “arquitetura aberta”

A possibilidade de o cliente de um banco comprar fundos de investimento sob gestão de um concorrente é chamada de “arquitetura aberta”. No mercado brasileiro, essa estrutura é um sucesso entre as carteiras classificadas na categoria multimercado.

Atualmente, a soma do patrimônio líquido dos fundos de investimento administrados por gestores independentes que são distribuídos pelos bancos de varejo já é maior do que o montante alocado nos fundos de ações sob gestão daquelas instituições.

Essa marca é significativa. Isso porque, de uma forma geral, os bancos de varejo preferem oferecer produtos mais simples em suas redes de distribuição.

Se o cliente tem interesse em arriscar mais para tentar conseguir maior retorno, tradicionalmente existiam duas opções nos bancos de varejo. Ou os fundos de ações indexados a algum indicador do mercado ou as carteiras compostas apenas por uma ação, como Petrobras ou Vale.

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A premissa por trás dessa estratégia de distribuição é a crença de que é mais simples explicar aos investidores as oscilações inerentes às aplicações mais agressivas se o fundo estiver atrelado a algum índice. Por exemplo, quando o investimento sobe ou cai na mesma proporção que o Ibovespa.

Como as variações dos indicadores de mercado são largamente noticiadas e avaliadas, o investidor pode contar com diversas análises de diferentes fontes para se sentir mais confortável com a aplicação. Esse é um fator que minimiza eventuais danos à reputação do banco.

A instituição quer evitar a imagem de que a recomendação para investir em determinado produto acabou levando o cliente a amargar perdas. Para minimizar esse risco, a solução conservadora é oferecer apenas aplicações indexadas.

Os gestores independentes, por sua vez, são empresas especializadas na administração recursos de clientes que demandam um estilo de gestão sofisticado e mais arriscado. Geralmente oferecem poucos fundos que, devido às características, são classificados nas categorias multimercado ou ações livre.

As carteiras podem investir em praticamente qualquer ativo, sem limites de alavancagem com relação à atuação nos mercado de derivativos e pouca restrição ao risco. Os limites de perdas são estabelecidos e alterados pelo próprio gestor.

Assim, o investimento pode ter boa rentabilidade mesmo quando os principais indicadores de mercado registram quedas. Ou exatamente o contrário, o que gera desconforto e prejuízos aos investidores.

Segundo dados da Anbima, a associação que representa as entidades do setor financeiro, o volume total de recursos aplicados em fundos de investimento no país alcança atualmente aproximados R$ 4 trilhões.

Nos rankings de administradores e de gestores de fundos de investimento elaborados pela associação, as cinco primeiras posições são ocupadas por Banco do Brasil (BB), Itaú Unibanco, Bradesco, Caixa e Santander. Somados, representam mais de 60% do patrimônio total do mercado.

A explicação para essa destacada liderança decorre, fundamentalmente, da capacidade de distribuição. A ampla rede de agências e a enorme gama de produtos e serviços oferecidos é uma vantagem competitiva.

De acordo com as informações do sistema Morningstar Direct, o volume total de recursos investidos nos fundos de investimento com mais de 250 cotistas dessas cinco instituições acumula cerca de R$ 1 trilhão.

Essa amostra captura as alternativas efetivamente disponíveis para os investidores, deixando de lado as carteiras destinadas aos grandes investidores institucionais.

Desse total, 90% do montante está aplicado em fundos de renda fixa, 8% em fundos multimercado e 2% em fundos de ações.

Praticamente a totalidade dos recursos investidos nas categorias renda fixa e ações é administrada pela gestora do próprio banco.

Mas na parcela de fundos multimercado, as carteiras com gestão da subsidiária do banco representam apenas 31% do total. Os fundos espelho, veículos que aplicam em outros fundos sob responsabilidade de gestores independentes, representam 21% do montante, os fundos multigestores, que investem de forma diversificada em várias carteiras de gestores independentes, somam o equivalente a 42% e 6% são carteiras que espelham fundos que investem no exterior.

O maior patrimônio das carteiras multimercado multigestores parece indicar que, mais importante do que o acesso a bons fundos por meio de uma “arquitetura aberta”, os investidores começam a demandar alternativas mais específicas, na forma de soluções estruturadas.

A conclusão é que um bom método para seleção de fundos é fundamental para atender a demanda dos clientes.

Temas de investimento para os fundos agressivos

Com a proliferação dos canais de distribuição de fundos multimercado e o excelente desempenho em 2017, muitos investidores passaram a acreditar que bastaria delegar a gestão de seus recursos a administradores agressivos para garantir ganhos substancialmente superiores à taxa básica de juros.

De fato, a rentabilidade média da categoria no ano passado, medida pelo índice de hedge funds Anbima (IHFA), foi de 12,41%. A variação do certificado de depósitos interfinanceiros (CDI) foi de 9,95% no mesmo período.

O ganho superior atraiu investidores. De acordo com o boletim de fundos de investimento da Anbima, a quantidade de cotistas com aplicações em fundos multimercado cresceu incríveis 184% entre janeiro de 2017 e junho de 2018. O número de contas saiu de 500 mil para 1,4 milhão.

A oferta de carteiras também cresceu expressivamente. Houve aumento de 980 fundos no período, que representou 61% do incremento da quantidade total, consideradas todas as categorias.

Mas os últimos três meses mostraram que não basta correr mais risco para obter maior retorno. Entre abril e junho deste ano, o desempenho do IHFA foi de -1,13%. Já o CDI subiu 1,56%.

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Os dados históricos indicam que os ativos mais rentáveis oscilam mais do que as alternativas mais estáveis. Entretanto é sempre bom ter em mente que para ganhar mais, não basta correr mais riscos.

No Brasil, o exemplo mais emblemático de um ativo muito arriscado que acabou provocando grandes prejuízos foram as ações da petroleira OGX. Existem exemplos semelhantes no setor de fundos de investimento, embora em tamanho menor.

O dilema do investidor agora está entre abandonar o risco e voltar para opções mais conservadoras ou insistir na aplicação mais agressiva, apostando na retomada dos lucros. Para isso é fundamental conhecer os temas de investimento dos gestores.

Esse é um aspecto ainda pouco comentado nos relatórios das empresas de gestão de recursos no Brasil. De uma forma geral, as cartas dos gestores abordam tópicos relacionados à macroeconomia.

Os efeitos da guerra comercial entre EUA e China, a estratégia para a normalização das taxas de juros que vem sendo adotada pelo Fed, o banco central americano, as perspectivas de recuperação da economia na zona do Euro e o tamanho do ajuste fiscal que deveria ser promovido pelo próximo governo no Brasil são os assuntos mais discutidos.

A razão para destacar esses pontos é o impacto no chamado “kit Brasil”: a combinação de posições compradas na bolsa, vendidas no dólar e apostas na redução dos juros de longo prazo. Isso porque o cenário mundial mais positivo aliado ao equilíbrio das contas públicas do país tende a favorecer o preço dos ativos brasileiros.

A variação do “kit Brasil” tem influência expressiva no desempenho dos fundos multimercado. Segundo simulações com base nos dados da Morningstar, em 2017 a estratégia teria rendido 20,60% enquanto que nos últimos três meses a rentabilidade teria sido de -9,54%. É uma variação em linha com o IHFA.

No entanto, os temas de investimento podem ser mais variados e uma abordagem sistemática pode, inclusive, proporcionar mais segurança às aplicações. O assunto foi abordado por Jeremy Zhou, analista da FactSet, uma empresa especializada no fornecimento de informações financeiras.

No artigo “Thematic Indexing 2.0”, Zhou faz um paralelo entre os algoritmos usados pelas gigantes de tecnologia tais como Google, Amazon e Netflix, que buscam identificar nossas preferências para sugerir assuntos ou produtos relacionados, com a abordagem de temas de investimento.

A estratégia envolve a identificação de uma tendência geral que pode ser transformada em aplicações financeiras de tal forma a garantir retorno superior aos indicadores de mercado.

Considere, por exemplo, o crescimento do consumo das famílias durante o governo Lula. Naquela época, houve destaque para o desempenho das ações de empresas do setor de consumo.

No mercado global as possibilidades são mais amplas: desenvolvimento dos carros elétricos, transição da China de uma economia exportadora para um mercado doméstico vibrante, uso cada vez mais disseminado da tecnologia e a convergência do desempenho dos mercados emergentes são alguns exemplos.

No mercado brasileiro, além da identificação de companhias ou setores que podem ser beneficiados por um desenvolvimento internacional, alguns temas de investimento estão relacionados com a consolidação de determinados mercados, alavancagem operacional das companhias ou melhoria da governança corporativa.

Para tentar solucionar o dilema entre manter ou sair do investimento, é fundamental conhecer as principais ideias dos gestores.

Fim do ciclo de queda dos juros é teste para multimercado

A captação dos fundos de investimento classificados na categoria multimercado atingiu R$ 38 bilhões no primeiro trimestre de 2018.

A rentabilidade passada tem sido um importante fator de atração de recursos. Mas a forte vinculação do desempenho do conjunto dos fundos com o ciclo de juros e a ausência de histórico para grande parte das carteiras dificultam estimativas para o comportamento daqui para frente.

Segundo dados da Anbima, a associação que representa as empresas que atuam no mercado financeiro, o montante direcionado aos multimercado entre janeiro e março deste ano equivale a 70% de todos os novos recursos captados no setor de gestão de recursos. A principal característica das carteiras é a ampla margem de manobra que os gestores possuem.

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Os responsáveis pelas decisões de investimento deste grupo de fundos podem comprar títulos pré ou pós fixados emitidos pelo Tesouro Nacional, bancos, financeiras ou empresas privadas. Podem, também, investir em qualquer título ou valor mobiliário, tais como ações, debêntures, cédulas de crédito bancário ou cotas de outros fundos, incluindo os de participação, de direitos creditórios ou de investimentos no exterior.

Os administradores têm, ainda, total liberdade para operar no mercado de derivativos. Isso inclui negociações de contratos futuros ou de opções, tanto com ativos negociados no Brasil quanto no exterior. E podem usar essas operações para alavancar as posições e apostar em qualquer moeda do mundo.

Finalmente, possuem a possibilidade de concentrar a carteira em poucas opções, com o objetivo de aumentar o risco e desprezar os efeitos da diversificação. A única exigência imposta pela regulamentação é formalizar essas faculdades no prospecto do fundo.

No caso extremo, é preciso deixar explícito ao cotista a possibilidade de ocorrer patrimônio liquido negativo. Nessa situação, além da perda total das aplicações, o investidor precisaria aportar mais recursos para ajudar a tapar o buraco causado pelo fundo.

O desempenho passado justifica o interesse dos aplicadores. Tradicionalmente, apesar de todos os riscos, a maioria dos fundos multimercados tem conseguido ganhos acima da variação do certificado de depósitos interfinanceiros (CDI). Especialmente nos períodos de queda da taxa Selic.

Entretanto, quando o momento é de alta dos juros, a conclusão sobre a performance global dos fundos multimercado não é tão evidente.

No período recente, o Brasil passou por cinco ciclos de ajustes na taxa Selic. A estratégia do Banco Central (BC) é aumentar ou reduzir a taxa básica em linha com a expectativa para a inflação.

O primeiro ciclo recente começou em 22 de janeiro de 2009, quando entrou em vigor a taxa de 12,75% ao ano definida na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do dia anterior. Desde então houve mais quatro reduções e no dia 28 de abril de 2010 a taxa marcava 8,75% ao ano.

A partir de 29 de abril de 2010 teve início um ciclo de alta que acabou com a taxa Selic em 12,50% ao ano no dia 31 de agosto de 2011. Nesse dia, numa decisão polêmica e controversa, o Copom começou mais um ciclo de baixa que terminou com a Selic em 7,25% ao ano em 17 de abril de 2013.

A partir de 18 de abril de 2013 a taxa voltou a subir e, após um período de interrupção dos reajustes entre junho e outubro de 2014, atingiu 14,25% no dia 30 de julho de 2015, permanecendo neste patamar até 19 de outubro de 2016.

Desde então entramos num novo ciclo de baixa dos juros e a Selic tende a ser reduzida até 6,25% ao ano a partir da próxima reunião do Copom em 16 de maio, conforme sinalizações dos diretores do BC.

Uma característica dos fundos multimercado é que poucos possuem histórico suficientemente longo para uma análise minimamente consistente. Segundo os dados da Morningstar, uma empresa especializada no acompanhamento de ativos financeiros, existem atualmente 528 carteiras com mais de 50 cotistas e patrimônio acima de R$ 50 milhões.

Mas os fundos com histórico desde 22 de janeiro de 2009, que servem como amostra para o comportamento em todo o ciclo recente de mudanças dos juros, somam apenas 128. O desempenho desses fundos em relação ao CDI está ilustrado no gráfico.

Na prática, a ausência de uma ampla série histórica é suprida com dados sobre o processo de investimento, experiência profissional e formação acadêmica dos responsáveis pelo fundo.

Em alguns casos extremos, no entanto, informações genéricas tais como hobbies ou interesses diversos dos administradores podem virar argumentos de venda para uma carteira. No ambiente atual, convém ao investidor redobrar os cuidados.