A nova organização dos fundos de investimento imposta pela Associação Nacional das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) é ruim.
Um dos principais problemas é a possibilidade de que carteiras com política de investimento semelhante sejam classificadas em categorias distintas. E que fundos incluídos na mesma classe possam ter características substancialmente diferentes, como a tributação.
Segundo a cartilha da nova classificação, o objetivo foi agrupar os fundos em três níveis. O primeiro considera a classe dos ativos: renda fixa, ações ou multimercados, por exemplo. O segundo, os riscos que o investidor estará correndo ao aplicar naquela carteira, tais como o prazo de vencimento dos títulos ou o vínculo com determinados índices de mercado e o terceiro, as estratégias de investimento usadas na gestão do fundo.
A ideia foi boa, mas houve falhas na implementação. Na renda fixa os problemas foram maiores. Um fundo DI pode ser corretamente classificado tanto como “indexado” quanto “duração baixa”, o que prejudica as comparações.
Uma confusão desnecessária é não identificar os fundos de curto prazo, que não contam com o benefício fiscal da redução do imposto de renda sobre os ganhos. Eles ficam na mesma categoria das carteiras que podem ter a alíquota do imposto reduzida a 15%, de acordo com o prazo de permanência.
Outro destaque negativo é a quantidade de classes na renda fixa, que passaram a ter nomes obscuros e com pouco significado para o investidor comum. Se já é difícil entender como se comporta um fundo DI, imaginar o que pode acontecer com uma carteira classificada como “duração baixa grau de investimento” ou a diferença para um fundo “duração média soberano” fica além da capacidade de quase a totalidade dos aplicadores.
A base para a segmentação dos fundos de renda fixa foi o prazo médio de recebimento do fluxo de caixa dos títulos que fazem parte da carteira, ponderados pelo valor presente de cada ativo. É um cálculo que apenas o gestor pode fazer e virtualmente impossível de ser verificado por terceiros. O nome desse indicador é “duração”.
Conceitualmente, quanto maior o prazo médio, mais intensa é a oscilação diária das cotas do fundo. Para a Anbima, as carteiras podem ter duração baixa, média, alta e livre.
As referências para a definição da duração média e alta são aquelas do IRF-M e do IMA-G, dois índices calculados pela associação. O problema é que o IRF-M mede o desempenho de títulos prefixados e o IMA-G inclui ainda papéis indexados ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e vinculados à taxa Selic.
Da maneira como foi estruturada, a classificação permite que dois fundos com a mesma duração tenham risco substancialmente diferentes. Basta que um deles concentre as aplicações em títulos prefixados e outro em papéis indexados ao IPCA.
Se o objetivo era criar um desafio para estimular a educação financeira, a estratégia tende ao fracasso. O esforço do investidor que buscar compreender o significado da “duração” do fundo pode, na prática, não ser recompensado. Ao contrário, é possível que desestimule a curiosidade, por gerar mais dúvidas.
Para a Anbima os fundos de renda fixa podem ser, ainda, do tipo soberano, grau de investimento e livre, de acordo com os papéis que fazem parte da carteira. O resultado é que a variedade de combinações amedronta. São 12 possibilidades que levam em conta em conta as quatro alternativas de duração com as três opções para o risco de crédito. Isso sem contar os fundos “simples”, “indexados”, “investimento no exterior” e “dívida externa”.
No fim, a complexidade pode ser medida em números. De cinco tipos na classificação anterior (curto prazo, DI, renda fixa, renda fixa índice e crédito), agora o investidor tem que escolher entre 16 classes.
O mercado brasileiro não é tão amplo a ponto de tornar todas essas categorias relevantes. Uma solução é analisar o desempenho dos fundos agrupando as categorias, para não se perder no emaranhado de alternativas.
Segundo dados da Anbima, 46% do patrimônio dos fundos de renda fixa está alocado nas categorias duração baixa soberano ou grau de investimento. É possível generalizar e afirmar que são categorias idênticas.
Dada as condições atuais do mercado brasileiro, há pouca diferença no conjunto formado por duração média, alta e livre, soberano ou grau de investimento. A soma dessas categorias atinge 42% do montante. Também é seguro combinar essas carteiras.
Renda fixa indexado representa 6% do total e a categoria crédito livre de duração baixa, média, alta ou livre soma 5%. Simples, investimento no exterior e dívida externa reúnem 1% do patrimônio.
Nas classes multimercado e ações não houve mudanças significativas, já que a maior parte dos fundos continua classificada como “livre”. Reúnem pouco mais da metade do patrimônio dos multimercado e 57% do total de ativos dos fundos de ações (desconsiderando os fechados).
A classificação “livre” dá ao gestor ampla liberdade para adotar as estratégias que julgar mais conveniente. O que, de certa forma, é o esperado pelo investidor que escolhe alternativas mais agressivas.
Nesse contexto, as classificações valor e crescimento, dividendos, sustentabilidade e governança, “small caps”, setoriais, macro, “trading”, “long and short” e juros e moeda acrescentam um certo tempero à estratégia de investimento adotada pelo gestor. Podem não ser cristalinas, mas não prejudicam o aplicador que busca maior risco.
Na renda fixa a situação é diferente. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central (BC) podem estar diante de um problema com potencial de se tornar grave.
Os fundos classificados como duração baixa, média, alta e livre, soberano ou grau de investimento reúnem R$ 1,2 trilhão de patrimônio. Basicamente a carteira desses fundos é composta por títulos públicos federais, operações compromissadas e papéis de bancos e empresas de primeira linha.
Dado o atual ambiente de negócios no Brasil, as dúvidas provocadas nos investidores com a reclassificação das carteiras pode detonar uma onda de resgate. É prudente reformular a forma de divulgação dos fundos pela Anbima. Não vale a pena correr riscos com assuntos relacionados à estabilidade financeira.