Temas de investimento para os fundos agressivos

Com a proliferação dos canais de distribuição de fundos multimercado e o excelente desempenho em 2017, muitos investidores passaram a acreditar que bastaria delegar a gestão de seus recursos a administradores agressivos para garantir ganhos substancialmente superiores à taxa básica de juros.

De fato, a rentabilidade média da categoria no ano passado, medida pelo índice de hedge funds Anbima (IHFA), foi de 12,41%. A variação do certificado de depósitos interfinanceiros (CDI) foi de 9,95% no mesmo período.

O ganho superior atraiu investidores. De acordo com o boletim de fundos de investimento da Anbima, a quantidade de cotistas com aplicações em fundos multimercado cresceu incríveis 184% entre janeiro de 2017 e junho de 2018. O número de contas saiu de 500 mil para 1,4 milhão.

A oferta de carteiras também cresceu expressivamente. Houve aumento de 980 fundos no período, que representou 61% do incremento da quantidade total, consideradas todas as categorias.

Mas os últimos três meses mostraram que não basta correr mais risco para obter maior retorno. Entre abril e junho deste ano, o desempenho do IHFA foi de -1,13%. Já o CDI subiu 1,56%.

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Os dados históricos indicam que os ativos mais rentáveis oscilam mais do que as alternativas mais estáveis. Entretanto é sempre bom ter em mente que para ganhar mais, não basta correr mais riscos.

No Brasil, o exemplo mais emblemático de um ativo muito arriscado que acabou provocando grandes prejuízos foram as ações da petroleira OGX. Existem exemplos semelhantes no setor de fundos de investimento, embora em tamanho menor.

O dilema do investidor agora está entre abandonar o risco e voltar para opções mais conservadoras ou insistir na aplicação mais agressiva, apostando na retomada dos lucros. Para isso é fundamental conhecer os temas de investimento dos gestores.

Esse é um aspecto ainda pouco comentado nos relatórios das empresas de gestão de recursos no Brasil. De uma forma geral, as cartas dos gestores abordam tópicos relacionados à macroeconomia.

Os efeitos da guerra comercial entre EUA e China, a estratégia para a normalização das taxas de juros que vem sendo adotada pelo Fed, o banco central americano, as perspectivas de recuperação da economia na zona do Euro e o tamanho do ajuste fiscal que deveria ser promovido pelo próximo governo no Brasil são os assuntos mais discutidos.

A razão para destacar esses pontos é o impacto no chamado “kit Brasil”: a combinação de posições compradas na bolsa, vendidas no dólar e apostas na redução dos juros de longo prazo. Isso porque o cenário mundial mais positivo aliado ao equilíbrio das contas públicas do país tende a favorecer o preço dos ativos brasileiros.

A variação do “kit Brasil” tem influência expressiva no desempenho dos fundos multimercado. Segundo simulações com base nos dados da Morningstar, em 2017 a estratégia teria rendido 20,60% enquanto que nos últimos três meses a rentabilidade teria sido de -9,54%. É uma variação em linha com o IHFA.

No entanto, os temas de investimento podem ser mais variados e uma abordagem sistemática pode, inclusive, proporcionar mais segurança às aplicações. O assunto foi abordado por Jeremy Zhou, analista da FactSet, uma empresa especializada no fornecimento de informações financeiras.

No artigo “Thematic Indexing 2.0”, Zhou faz um paralelo entre os algoritmos usados pelas gigantes de tecnologia tais como Google, Amazon e Netflix, que buscam identificar nossas preferências para sugerir assuntos ou produtos relacionados, com a abordagem de temas de investimento.

A estratégia envolve a identificação de uma tendência geral que pode ser transformada em aplicações financeiras de tal forma a garantir retorno superior aos indicadores de mercado.

Considere, por exemplo, o crescimento do consumo das famílias durante o governo Lula. Naquela época, houve destaque para o desempenho das ações de empresas do setor de consumo.

No mercado global as possibilidades são mais amplas: desenvolvimento dos carros elétricos, transição da China de uma economia exportadora para um mercado doméstico vibrante, uso cada vez mais disseminado da tecnologia e a convergência do desempenho dos mercados emergentes são alguns exemplos.

No mercado brasileiro, além da identificação de companhias ou setores que podem ser beneficiados por um desenvolvimento internacional, alguns temas de investimento estão relacionados com a consolidação de determinados mercados, alavancagem operacional das companhias ou melhoria da governança corporativa.

Para tentar solucionar o dilema entre manter ou sair do investimento, é fundamental conhecer as principais ideias dos gestores.

Os cuidados para escolher um fundo de ações

Nos últimos 24 meses, de abril de 2015 até março de 2017, o rendimento do Ibovespa foi de 27%. No entanto, a trajetória do índice no período foi marcada por altos e baixos expressivos.

No pior momento, entre maio de 2015 e janeiro de 2016, o indicador chegou a registrar perdas de 28%. Depois, iniciou um intervalo de seis meses de ganhos até julho de 2016 que resultou na reversão dos prejuízos acumulados anteriormente. Desde então foram cinco meses de fechamento no território positivo e três no negativo.

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O investidor em fundos de ações também vivenciou essas mesmas oscilações, mas em graus diferentes conforme a estratégia de gestão de cada carteira. Numa situação ideal, o investidor deseja o maior retorno possível em relação ao Ibovespa, mas com o menor desvio em comparação ao indicador.

No jargão de mercado, a parcela do retorno do fundo que é superior ao Ibovespa é chamado de retorno excedente. E na terminologia em inglês, também usada como jargão, o desvio da rentabilidade do fundo em relação ao Ibovespa – ou outro parâmetro de referência – é chamado de “tracking error”. Esse cálculo é a diferença média entre a rentabilidade diária do fundo e o indicador de desempenho da carteira em determinado período de tempo.

Do ponto de vista pragmático, para manter uma carteira de ações atrelada ao Ibovespa basta ao gestor replicar o índice. Se a participação de cada título em relação ao patrimônio do fundo for exatamente igual à composição do indicador, a rentabilidade de ambos será a mesma. Os fundos indexados adotam esse tipo de gestão.

No entanto, a estratégia de replicar o Ibovespa tem o inconveniente de tornar difícil superar o indicador. O “tracking error” seria zero, mas o retorno excedente do fundo em relação ao Ibovespa também seria inexistente. Poderia até ser negativo, caso a taxa de administração fosse excessivamente alta.

No outro extremo, o gestor de um fundo ativo poderia apostar todas as fichas em uma única ação, que nem mesmo fizesse parte do Ibovespa, e esperar que aquela companhia tivesse desempenho acima do indicador. A despeito do resultado obtido, a contrapartida da estratégia é a concentração do risco. Como consequência, o desvio da rentabilidade do fundo em relação ao Ibovespa, medido pelo “tracking error”, será elevado.

A maioria dos fundos com gestão ativa opera num meio termo entre esses dois extremos. O objetivo é equilibrar a busca pelo máximo retorno excedente com o menor “tracking error” possível.

As estratégias de gestão ativa mais utilizadas, e de certa forma as mais sólidas, envolvem aumentar ou reduzir o peso de determinadas ações ou setores em relação ao índice de referência. Para definir as participações específicas das empresas na carteira do fundo, pode-se adotar métodos qualitativos ou quantitativos.

Nos métodos qualitativos, o comitê de investimento da empresa de gestão de recursos define uma alocação estratégica conforme a visão de consenso dos especialistas. A partir daí os gestores possuem a liberdade para executar as alocações táticas, pinçando os papéis potencialmente mais rentáveis conforme as oportunidades de mercado.

Já os métodos quantitativos envolvem a análise estatística do desempenho das ações e a decomposição do retorno esperado em diversos “fatores”. Os principais fatores usados são a qualidade da companhia, o valor relativo da empresa em relação aos concorrentes e o momento da cotação do papel em relação ao histórico de negócios.

O histórico de uma amostra de 258 fundos de ações entre os de maiores patrimônio e quantidade de cotistas obtida a partir do sistema Morningstar Direct revela que, no período de baixa do Ibovespa, entre maio de 2015 e janeiro de 2016, 50 carteiras tiveram perdas superiores ao indicador. E 208 conseguiram implantar uma estratégia que amenizasse os prejuízos e caíram menos do que o Ibovespa.

Mas nem a agressividade nem a cautela na gestão explicam o desempenho dos fundos no período completo de dois anos. Entre as 50 carteiras que tiveram queda mais acentuada que o Ibovespa no intervalo de baixa, dez superaram o Ibovespa no período total. E entre as 208 que tiveram queda menor que o indicador, 99 conseguiram reverter o conservadorismo e superaram o Ibovespa.

O que as análises indicam é que tão importante quanto avaliar o desempenho passado, é fundamental que o investidor entenda a estratégia de investimento do fundo de ações que escolheu e tenha confiança de que é consistente no longo prazo.

Em busca da consistência do desempenho

De 248 fundos de ações criados até 2013, com patrimônio atual acima de R$ 10 milhões e mais de 50 cotistas, apenas 14 conseguiram superar o Ibovespa nos anos de 2014, 2015 e no intervalo de dez meses entre janeiro e outubro de 2016. Destes, dez são carteiras administradas por grandes bancos de varejo e quatro estão sob a responsabilidade de gestores independentes. Os dados são da Morningstar.

Após um período conturbado, quando as grandes empresas estatais foram usadas para atingir objetivos políticos variados, o mercado acionário brasileiro passou a dar sinais de recuperação. As ações de Petrobras e Banco do Brasil estão entre as que registram maiores altas neste ano, após acumularem perdas elevadas em 2015.

A tendência, a partir de agora, é que volte a existir uma certa sintonia de movimentos entre o desempenho dos papéis das principais companhias brasileiras. A dispersão exagerada de rentabilidade que assistimos nos últimos anos parece que vai ficar para trás.

Esse fato tende a ocorrer mesmo considerando que variações acentuadas do retorno das ações de empresas específicas entre um ano e outro são eventos relativamente comuns. Diversos fatores específicos podem afetar a lucratividade de determinado empreendimento.

Disputas societárias, desenvolvimento de novos produtos, obtenção de licenças de comercialização, estabelecimento de novas estratégias de produção e aparecimento de concorrentes mais eficientes são exemplos de fatores que podem afetar o resultado final de uma companhia. E que causam impacto na cotação de seus títulos em bolsa.

No entanto, para o conjunto de empresas com maior representatividade em relação à economia do país, o fator mais relevante tende a ser o ambiente macroeconômico.

O Ibovespa é principal indicador que busca medir essas condições de mercado. A construção do índice atribui pesos maiores às empresas mais valiosas. E companhias com essa característica tendem a ser, também, as mais representativas da economia do país.

Dessa forma, a maneira tradicional para investir na bolsa é montar uma carteira de ações que tenha por objetivo acompanhar o Ibovespa. Diversos fundos com essa característica estão à disposição dos investidores.

O problema é que, assim como os fundos DI mais acessíveis, os fundos de ações indexados tendem a cobrar taxas de administração elevadas. O custo afeta negativamente a rentabilidade final do investidor. Também nesse caso a pesquisa e comparação de ofertas são fundamentais.

Uma alternativa são os ETFs, fundos de ações indexados com cotas negociadas em bolsa. Isso porque a taxa de administração do ETF é mais baixa do que a dos fundos de investimento tradicionais.

Mas é preciso ter cuidado e computar os custos de transação. Essas despesas englobam, principalmente, as taxas de corretagem e custódia.

Em outro extremo, a alternativa do investidor é escolher um fundo de ações da categoria livre. Nessa modalidade, como o nome indica, o gestor tem a liberdade para escolher qualquer composição para a carteira, mirando um ajuste ideal entre rentabilidade superior ao Ibovespa e risco mais baixo.

Todavia, como os números indicam, a tarefa dos administradores de fundos livres é difícil. Mesmo que o investidor tolere um pouco mais de risco e aceite ampliar os prazos de análise para avaliação de desempenho.

Refazendo as contas e considerando o intervalo completo entre janeiro de 2014 e outubro de 2016, encontramos 96 fundos, do total de 248 da amostra, que conseguiram superar o Ibovespa no período.

Na maior parte das vezes, a justificativa para o desempenho positivo foram os ganhos acumulados nas épocas de baixa da bolsa. Uma gestão mais defensiva acabou formando uma reserva de lucros acumulados que compensou a recuperação do mercado neste ano.

SinaisRecuperacao

Outra possibilidade para o investidor é pesquisar fundos que tenham por estratégia a combinação de gestão ativa com avaliações quantitativas da composição da carteira. A vantagem é o aumento da segurança em relação ao desempenho futuro.

Ideias de investimento originadas por uma equipe de gestores podem ocasionar aumento excessivo do risco. Fundos com algum controle estatístico das posições assumidas têm a vantagem de impor um freio ao ímpeto dos gestores e, como consequência, serem um pouco mais previsíveis.

No atual ambiente de recuperação do mercado, ainda carregado de incertezas, é fundamental estabelecer as estratégias de investimento. E buscar alternativas que ofereçam consistência no longo prazo.

A vingança do Ibovespa

A queda de Dilma Rousseff na corrida eleitoral foi favorável às ações que fazem parte do “kit eleições”: Petrobras, bancos e companhias do setor elétrico.

Em função da estratégia de investimento mais frequentemente adotada, foram poucos os fundos de ações que surfaram a onda de valorização dos papéis no período recente. E, ao que tudo indica, a facilidade que as carteiras tinham para superar o Ibovespa parece coisa do passado.

A reportagem “Fundos descolados” de Luciana Seabra, do Valor, explica a posição dos gestores de recursos. De maneira geral, a justificativa para o relativo mau desempenho dos fundos foi a concentração das posições em papéis de empresas avaliadas como sendo aquelas com melhores perspectivas de desempenho operacional.

Entre as companhias do “kit eleições”, apenas os bancos agradam aos gestores. As demais ações são vistas como excessivamente especulativas.

A estratégia fundamentalista deu bons resultados nos últimos anos. De 2010 a 2013, apenas os piores fundos de ações perderam para o Ibovespa. Mas em 2014, o cenário mudou.

O gráfico abaixo mostra o desempenho de um grupo selecionado de fundos de ações. A amostra inclui apenas as carteiras mais renomadas e potencialmente acessíveis aos investidores, excluindo os fundos setoriais. No total são 306 investimentos.

As barras azuis mostram o intervalo de rentabilidade anual dos fundos com desempenho mediano. Foram excluídos os 20% de pior desempenho e os 20% de melhor retorno.

Os triângulos vermelhos indicam a maior rentabilidade do grupo dos piores fundos. O losango verde mostra o retorno mínimo do fundo que ficou no grupo dos melhores. E a linha vermelha é o Ibovespa.

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A comparação mostra que, para superar o Ibovespa em 2014, foi preciso investir em um fundo que ficasse entre os 20% melhores. Muito diferente dos anos anteriores, quando bastava evitar um que estivesse entre os 20% piores.

A partir de agora passa a ser ainda mais importante acompanhar com detalhes a estratégia de investimento dos gestores. E controlar o risco das aplicações.