Suponha que você queira adquirir um bem no valor de R$ 350 mil. Para realizar a compra à vista, você tem a alternativa de tomar um empréstimo, pagando em 170 parcelas mensais. Seu desembolso total, considerando os juros, será de R$ 544.373.
Outra possibilidade é não se endividar e investir o dinheiro que seria gasto nas mensalidades do financiamento. Nesse caso, no fim de 125 meses, com os rendimentos acumulados da aplicação financeira, você teria reunido recursos para comprar o item desejado, com desembolso total de R$ 312.600.
Uma terceira alternativa é entrar em um consórcio, pagando prestações por 170 meses de tal forma que, no fim do prazo, terá desembolsado o total de R$ 420.600. O problema é que não existe certeza de quando irá receber o bem. Você participará de sorteios com chances iguais de ser contemplado do primeiro ao último mês.
A discussão sobre o custo do prazer imediato e o benefício de ter paciência para adiar o consumo pode enveredar para argumentos filosóficos. O economista Eduardo Giannetti da Fonseca, em seu livro “O valor do amanhã”, aborda essas questões de forma abrangente e intrigante.
Mas uma pergunta pragmática, que pode ser respondida pelos alunos do ensino médio que estão se preparando para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), é: a partir de qual mês o consórcio é a pior alternativa? E qual a probabilidade de você ser sorteado antes de o consórcio começar a ser um mau negócio?
O gráfico abaixo ilustra a resolução do problema.
A linha azul une dois extremos. O ponto mais à esquerda representa o custo do empréstimo de R$ 544.373, assinalado no eixo vertical. O eixo horizontal mostra que, nessa opção, o bem foi comprado no primeiro mês.
O ponto mais à direita da linha azul representa o momento em que os recursos depositados na aplicação financeira são suficientes para cobrir o valor do bem. Isso acontece no mês 125 e o desembolso total é de R$ 312.600, sem contar os juros.
Assumindo que seja possível fazer uma combinação entre empréstimo e poupança para adquirir o bem, a linha azul mostra o desembolso total em cada momento, até o mês 125.
A linha vermelha do gráfico representa o desembolso com o consórcio. O custo de R$ 420.600 é fixo e não depende do mês em que o bem é adquirido.
Existe um ponto em que as duas linhas se cruzam. Nesse momento, o desembolso com o consórcio e a combinação financiamento com poupança resultam no mesmo desembolso.
Achar a equação da reta azul, que une os dois pontos extremos entre financiamento e poupança, é a chave para a resolução do problema. Os cálculos mostram que as retas se cruzam, aproximadamente, no mês 67.
Antes desse ponto, o valor da poupança é pequeno e o montante financiado deve ser alto, o que aumenta o valor total do desembolso. Depois ocorre o inverso.
Portanto, ser contemplado no consórcio antes do mês 67 é vantajoso. Após esse ponto é mau negócio.
Existe uma chance em 170 de ser sorteado no consórcio em um determinado mês. Em 67 meses a chance de ser contemplado é 67 vezes maior, ou quase 40%.
Significa que a probabilidade de o consórcio ser um bom negócio é menor do que a possibilidade de ser uma opção ruim. O que, de certa forma, pode causar surpresa a muitos.
Apesar de ser um problema aparentemente complexo, avaliar a atratividade de um consórcio é uma tarefa acessível aos estudantes do ensino médio. Na ponta do lápis, parece prudente evitar dar chance ao azar: o melhor é evitar o consórcio.
Com os dados apropriados em mãos, podemos ainda considerar o efeito dos lances sobre a probabilidade de contemplação, o que certamente aumentaria as chances do consórcio ser um bom negócio além dos 40%.
Contudo tal “omissão” não desqualifica o ótimo texto, que nos dá o que pensar com objetividade e originalidade.
Não, o lance aumenta a quantidade de participantes e não muda a probabilidade. Eu simulei esse caso, mas não inclui no texto para não complicar exageradamente.
Se não for muito incômodo, gostaria de ver essa simulação.
O que altera a probabilidade é, na verdade, a quantidade maior de contemplados quando se tem a possibilidade de se fazer lances. Correto?
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Marcelo, você poderia compartilhar a sua análise incluindo os lances? Como o lance aumenta a quantidade de participantes? Esta parte ficou um pouco confusa e como consórcio é um tema interessante seria bacana entender esta análise mais detalhada.
Marcelo parabéns pelo texto excelente. Quando a questão envolve algum tipo de sorteio com probabilidades baixas as pessoas tendem a fazer más escolhas financeiras. No livro Kahneman “Rápido e Devagar” traz vários exemplos, como a loteria ou contratação de alguns seguros dispensáveis e dispendiosos.
Para que o consórcio distribua uma carta de crédito, por lance ou sorteio, ele tem que ter caixa. Imagine que a mensalidade do consórcio é de R$ 2,5 mil e são 170 participantes, contribuindo por 170 meses. Suponha que a taxa de administração do consórcio é de R$ 75 mil por participante, rateada mensalmente. Todo mês o consórcio arrecada R$ 425 mil. Menos R$ 75 mil da taxa de administração é R$ 350 mil, o valor da carta de crédito que é sorteada. Se o consórcio quiser distribuir uma carta de crédito por lance, ele terá que reunir outros 170 participantes.