Perigo é a “desconstrução” das agências de risco

Definida a reeleição da presidente Dilma, o próximo passo é conhecer as ideias novas do governo novo. Enquanto um conjunto de medidas coerentes para lidar com os atuais desafios do país não for anunciado, as oscilações da bolsa, juros e câmbio tendem a continuar fortes.

É um ambiente difícil para administrar os investimentos pessoais. Nessa altura, o melhor cenário seria o governo afirmar que tem como objetivo manter a classificação de grau de investimento concedido pelas agências de risco internacionais. Com isso, poderia ser mantida uma certa racionalidade nos negócios, apesar do esperado aumento do sobe e desce das cotações.

No entanto, se tiver início uma campanha de “desconstrução” das agências visando minimizar os efeitos de um eventual rebaixamento da nota da economia brasileira, o panorama muda. O sinal seria de aposta redobrada na política econômica heterodoxa, cujos resultados foram ruins.

O crescimento econômico do Brasil é baixo, a inflação ultrapassou o teto da meta e o déficit em transações correntes do balanço de pagamentos é elevado. O rumo atual precisa ser corrigido.

A entrada de recursos externos no Brasil pela via dos investimentos estrangeiros diretos (IED) tem possibilitado financiar a saída de recursos do país. Isso ajuda a manter o atual patamar de reservas internacionais em torno de US$ 270 bilhões, descontadas as operações com swaps do Banco Central.

O gráfico abaixo mostra que é razoável supor que existe uma relação entre o fluxo de IED e as notas do Brasil concedidas pelas agências de risco.

A linha azul indica o montante de entrada de recursos de IED em intervalos de 12 meses, em bilhões de dólares. A linha vermelha mostra a nota de risco do Brasil atribuída pela agência Standard and Poor’s (S&P). A classificação BBB- é o piso para o grau de investimento.

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Nos últimos anos o Brasil tem recebido cerca de US$ 60 bilhões por ano de investimentos estrangeiros, apesar do clima negativo da economia internacional. Essa entrada de recursos externos tem garantido uma certa estabilidade para o país.

Manter a classificação de risco com o objetivo de facilitar o financiamento das contas externas significa adotar políticas mais tradicionais, em muitos casos opostas ao que vem sendo realizado pelo atual governo Dilma.

A guinada é uma questão de tempo. O melhor cenário para os investidores é que seja feita rapidamente.

E se a dívida total fosse menor?

Conforme relata Cristiano Romero em sua coluna no Valor, o departamento econômico do BNDES fez um estudo concluindo que os financiamentos subsidiados do banco estatal de fomento têm impacto pequeno sobre o patamar da taxa Selic.

A análise teve foco na influência dos investimentos financiados pelo banco sobre o aumento da demanda agregada. No entanto, se o estoque da dívida pública fosse menor, não seria possível que governo e empresas pudessem captar recursos com juros mais baixos? Essa questão não foi abordada.

Para que o BNDES possa emprestar, o Tesouro Nacional precisa repassar recursos para o banco. De dezembro de 2006 até agosto de 2014, os créditos concedidos a instituições financeiras oficiais, conforme a contabilização do Tesouro, saltaram de 0,5% para 10% do Produto Interno Bruto (PIB). O gráfico abaixo ilustra a evolução.

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Para financiar os repasses ao BNDES e demais bancos oficiais, o Tesouro mantém um estoque de dívida pública elevada. A dívida bruta do governo geral tem oscilado na faixa de 55% a 60% do PIB desde dezembro de 2006. Atualmente é de 60% do PIB.

O bom senso sugere que existe uma relação positiva entre a taxa de juros e estoque da dívida. Quanto maior a quantidade de títulos públicos a serem rolados, a tendência é que mais alta seja a taxa de juros a ser paga pelo Tesouro.

O argumento do governo é que não é tão relevante a trajetória da dívida bruta. O que realmente importa é a evolução da dívida líquida do setor público, que vem caindo, conforme ilustra o gráfico abaixo.

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Em dezembro de 2006, a dívida líquida do setor público era de 47% do PIB e passou para 36% do PIB em agosto de 2014, o dado mais recente. A queda de 11 pontos percentuais foi praticamente equivalente ao crescimento dos créditos concedidos a instituições financeiras oficiais.

Haveria, então, uma contrapartida para a elevada dívida bruta, representada, principalmente, pelos créditos junto aos bancos oficiais.

É preciso avaliar a solidez e consistência da política econômica de endividamento do governo a juros de mercado com o objetivo de repassar recursos para o BNDES emprestar a taxas subsidiadas. Talvez seja tema para um próximo estudo do departamento econômico do banco.

A despeito de todas as disputas políticas, acompanhar essas discussões é fundamental para os investidores. Isso irá determinar, em larga medida, a evolução da nota de crédito concedida pelas agências de classificação de risco.

Um rebaixamento para um patamar inferior ao grau de investimento pode ter consequências graves para o país.

Corte da nota do Brasil pode ter efeito moderado em juros

As notas de crédito atribuídas pelas agências de classificação de risco têm impacto relevante sobre o custo da dívida de empresas e países. Quanto melhor a classificação, menor tende a ser o desembolso com os juros dos financiamentos, e vice-versa.

A S&P (Standard & Poor’s) está reavaliando a economia brasileira. A expectativa é que o Brasil não perca o grau de investimento, mas o conceito do país pode cair. As taxas dos títulos públicos de longo prazo, negociados no mercado secundário, já incorporam essa possibilidade.

O gráfico abaixo compara a remuneração das NTN-B (Notas do Tesouro Nacional Série B) para 2024 e 2035 com a evolução do risco Brasil, segundo os critérios da S&P. A nota “BBB-” é a mínima para que os títulos sejam considerados investimentos seguros.

RiscoBrasil

Desde 1994, início da estabilização da economia, a S&P e as demais agências de risco vêm aumentando a nota do Brasil. O grau de investimento veio em 30 de abril de 2008.

Em 17 de novembro de 2011, a S&P subiu novamente a nota do Brasil, para a atual classificação “BBB”. É uma margem mais segura em relação ao grau de investimento.

As taxas de juros das NTN-B fizeram caminho oposto. Em agosto de 2005, quando a nota do Brasil era “BB-“, a NTN-B com vencimento em 2024 remunerava inflação mais 9% ao ano. Na época, a taxa Selic (juro básico) era de 19,75% ao ano.

No período em que o país conseguiu a classificação mínima para o grau de investimento, a remuneração dos papéis ficou em cerca de 6% ao ano. A Selic no período oscilou de 8,75% a 13,75% ao ano.

A melhora seguinte da nota de risco contribuiu para queda mais acentuada da taxa dos títulos. Tanto a NTN-B para 2024 quanto a para 2035 passaram a oferecer remuneração de cerca de 4% ao ano.

O Banco Central também conseguiu reduzir a Selic ao menor nível histórico, 7,25% ao ano, no período de outubro de 2012 a abril de 2013.

Mais recentemente, porém, as taxas de juros voltaram a subir. Entre os fatores que aumentaram a aversão ao risco dos investidores em relação aos títulos brasileiros está a possibilidade de rebaixamento da nota pelas agências.

A política monetária também foi impactada. A Selic está em 10,75% ao ano e muitos analistas acreditam que continuará a subir.

Desde que o governo mostre capacidade de reação para corrigir os rumos da política econômica, a revisão da nota para “BBB-” pode ter um impacto moderado nas taxas dos títulos.

O temor, no entanto, é que os ajustes fiquem apenas para depois das eleições. Um cenário que aumentaria o custo financeiro do país.

Se não afetar os mais pobres, rating do Brasil pode até cair

A entrevista exclusiva do secretário do Tesouro Arno Augustin ao Valor mostrou que, mesmo quando envolve aspectos mais técnicos de gestão das variáveis econômicas, a disputa política exerce um fator preponderante nas decisões do governo.

Indagado sobre a consistência do superavit primário do ano passado, o secretário não se esquivou de comparar os resultados atuais com os do governo Fernando Henrique, registrados há mais de dez anos. Para os investidores, é um sinal de alerta.

O grande tema do momento é a possibilidade de rebaixamento da classificação de risco do Brasil pelas agências internacionais de rating. Se o Brasil perder o grau de investimento, a captação de recursos externos pode ficar mais difícil em um momento crítico de financiamento das contas externas. A cotação do dólar e as taxas de juros locais podem subir.

Por enquanto, a possibilidade de rebaixamento do Brasil não está no radar. Marcio Guedes, diretor da Anbima, a associação que representa as instituições que atuam no mercado de capitais, resumiu bem o sentimento geral dos profissionais ao declarar que não conta com o corte do grau de risco, conforme apurou o repórter Vinicius Pinheiro, do Valor.

Todavia, dado o grau de politização das decisões sobre a condução da economia, passa a ser importante avaliar, também, o comportamento dos resultados das pesquisas eleitorais.

Segundo o Ibope Inteligência, 13% dos eleitores possuem renda familiar de até um salário mínimo (SM); 31% têm renda familiar acima de 1 SM até 2 SM; 44% acima de 2 SM até 5 SM e apenas 12% fazem parte de famílias com renda acima de 5 SM. A intenção de voto na presidente Dilma e a avaliação positiva do governo variam significativamente conforme as faixas de renda.

De acordo com a pesquisa de opinião do Ibope de outubro do ano passado, 56% dos eleitores com renda familiar de até 1 SM e 50% daqueles na faixa entre 1 e 2 SM pretendiam votar pela reeleição da presidente Dilma. Juntos, esses dois segmentos representam 44% do total dos eleitores.

É uma vantagem considerável para a candidata governista. A maior parte dos eleitores dessa faixa também avaliava o atual governo como ótimo ou bom.

Na faixa de renda entre 2 e 5 SM, a margem cai, mas ainda é grande. Segundo a pesquisa, 40% pretendem votar na presidente Dilma. Apenas entre os eleitores de famílias de renda mais alta, que representam apenas 12% do total, a intenção de voto na presidente e a aprovação do governo é mais baixa, conforme ilustram os gráficos abaixo.

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O panorama eleitoral tem tudo para definir as ações de política econômica do governo. E como a preocupação com um eventual rebaixamento da nota de crédito do Brasil é um tema discutido exclusivamente pelos eleitores de maior poder aquisitivo, um grupo que já possui uma maior aversão à possibilidade de reeleição da presidente Dilma, as respostas do governo para o assunto tendem a ser mais discretas.

A consequência esperada é o aumento da volatilidade do mercado local. O cenário de corte da nota de crédito do Brasil pelas agências internacionais de risco parece ser ainda remoto, mas as respostas políticas das autoridades a problemas econômicos de ordem prática tendem a continuar gerando incertezas.

Será preciso cautela para conviver com o sobe e desce dos ativos financeiros até o fim do período eleitoral.