O limite da paciência do investidor

Ações são para o longo prazo, mantenha a estratégia que foi decidida no planejamento original e evite negociar nos momentos de forte turbulência para reduzir as chances de prejuízos. Essas são algumas das recomendações mais frequentemente oferecidas aos investidores pelos profissionais da área financeira.

O problema é que, em muitas ocasiões, a calma excessiva pode ocasionar perdas. Ou fazer com que você deixe escapar oportunidades de lucro. Manter uma posição além do tempo ideal ou demorar para identificar uma reviravolta reduz a rentabilidade da carteira.

Em apresentação na conferência sobre investimentos promovida pela Morningstar, no fim de junho em Chicago, Jeremy Grantham, um dos fundadores da gestora de recursos GMO, explicou a maneira como o mercado dá voltas e como isso é capaz de afetar a estratégia do investidor.

Para Grantham, existe um ciclo que começa no momento em que é formado uma espécie de consenso sobre a direção futura do preço dos ativos. Nesse instante, mesmo que de forma inconsciente, os investidores passam a desenvolver um comportamento de manada.

Citando Keynes, o gestor explica que a sabedoria universal indica ser melhor para a reputação fracassar junto com o mercado do que vencer contra ele. Essa característica da psicologia dos aplicadores é tema de amplos estudos em finanças comportamentais. O prazer de evitar uma perda decorrente de uma aposta equivocada é grande. Mas a dor de não comprar a ação que dobrou de preço, quando você sabe que todos os seus conhecidos investiram, é maior.

Assim, é mais confortável manter em carteira um ativo que todos têm do que correr o risco de ficar fora de uma boa oportunidade. Na pior das hipóteses, se a aposta der errada, é cômodo saber que muitos estarão na mesma situação.

A consequência do comportamento de manada é a distorção do preço dos ativos, que passam a ficar acima (ou abaixo) do que seria considerado como o valor justo, levando-se em conta todos os aspectos teóricos e práticos que envolvem a avaliação dos negócios.

Oportunidades, então, começam a aparecer. Ao avaliar as ações de uma empresa após uma alta expressiva, um investidor mais detalhista poderia identificar que o valor de mercado da companhia passou a ser maior do que o custo de reposição de todos os ativos contabilizados no balanço.

Idealmente, existiria a possibilidade de o proprietário da empresa vender suas ações na bolsa e, com os recursos, construir uma nova fábrica para concorrer com a antiga empresa. Como prêmio adicional, embolsaria a diferença.

No jargão financeiro, a venda de um ativo em um mercado específico e a compra de bem igual ou semelhante em uma outra transação por preço mais baixo é chamado de arbitragem. Se o processo puder ser repetido inúmeras vezes, é uma fábrica de fazer dinheiro.

Os investidores estão sempre atrás de oportunidades de arbitragens. A mera constatação de que o valor de mercado de uma companhia está acima do custo de reposição é suficiente para desencadear um processo de queda dos preços.

O inverso também acontece. Se for mais vantajoso comprar as ações de uma empresa negociada em bolsa do que construir uma nova fábrica, os investimentos no setor produtivo tendem a secar e o preço dos papéis das companhias em operação podem subir.

Por trás do ajuste ocasionado pelas possibilidades de arbitragens está a noção de que é questão de tempo para que as cotações cheguem ao valor justo. A premissa é que, uma vez identificada uma tendência para o preço dos ativos, em algum momento o valor de mercado será corrigido.

Mas não há como estimar o prazo para o acerto dos desequilíbrios. As bolhas financeiras e os períodos de depressão podem durar mais do que o inicialmente esperado.

O principal desafio para os gestores profissionais, então, é administrar a paciência do investidor. Mesmo que as posições da carteira sejam solidamente justificadas pelas análises dos especialistas, a tolerância a perdas do aplicador costuma ser pequena.
  
Para os administradores de recursos, o temor é que a paciência dos clientes  atinja o limite antes da maturação das estratégias que foram colocadas em prática. Isso provocaria uma onda de saques dos fundos com desempenho ruim e forçaria muitos profissionais a abandonar a atividade de gestão de ativos.

Grantham chama essa possibilidade de “risco de carreira”. Cientes dessa possibilidade, os próprios gestores mudariam as aplicações das carteiras e contribuiriam para o recomeço do ciclo de comportamento de manada.

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Para o investidor, é importante manter o equilíbrio entre a paciência e a agonia. Conhecer as estratégias de investimento que estão sendo adotadas pelos administradores da carteira é um primeiro passo para embasar as decisões de maneira mais rentável.

Conhecer o ciclo do mercado e tentar antecipar os prováveis desdobramentos também podem evitar surpresas desagradáveis. É fundamental ainda conferir se o desempenho do gestor está em linha com as decisões que foram informadas.

Esses cuidados do investidor são particularmente importantes nessa época de incertezas políticas e econômicas.

Assessoria financeira sofisticada é para poucos

O boletim Anbima sobre o mercado de “private banking” fornece algumas pistas para explicar a dificuldade que enfrentam muitos clientes de alta renda para conseguir bons conselhos de investimento.

O levantamento mostra que são 858 “bankers” (especialistas) e 1.168 assistentes e outros profissionais menos qualificados para atender o total de 55 mil contas. Considerando que a divisão do trabalho é feita de forma balanceada, a conclusão é que 60% dos clientes tem pouco contato com os melhores quadros das instituições financeiras.

Assumindo que cada profissional atende cerca de 27 contas, os 858 “bankers” assessoram regularmente o total de 23 mil clientes. Os demais 32 mil aplicadores mantém relacionamento com os assistentes.

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O detalhamento dos números da Anbima mostra uma situação ainda mais desconfortável para os investidores que buscam soluções mais sofisticadas para as aplicações. Somente metade dos “bankers” possui a certificação CFP, uma espécie de selo de qualidade para os especialistas da área.

Portanto, o fato de ser cliente do “private banking” não é garantia de que o atendimento oferecido ficará acima da média. Pragmaticamente, a solução é confrontar, sempre que possível, as opiniões e recomendações recebidas com outros profissionais e especialistas.

Um resumo das principais tendências para as aplicações financeiras dos clientes de alta renda, com comentários de profissionais de ponta, pode ser encontrado na reportagem As letras da fortuna, de Luciana Seabra, do Valor.

Comida de tubarão

Existem 14 mil fundos de investimentos no Brasil, mas ninguém sabe dizer ao certo quantas carteiras estão efetivamente disponíveis para receber aplicações dos investidores. Os rankings dão algumas pistas.

Reportagem de Luciana Seabra, do Valor, listou os fundos com gestão ativa que conseguiram retorno de dois dígitos no ano passado. No total foram 41 carteiras.

Comparar a rentabilidade passada dos fundos de investimento é pouco eficiente para escolher a modalidade com maior potencial no futuro. Afinal, o desempenho histórico não garante os ganhos daqui para frente.

Mas esse tipo de levantamento possui uma vantagem: torna familiar alguns nomes. Isso é particularmente relevante em um mercado exageradamente pulverizado e que possui como característica a falta de anúncios e publicidade dos gestores.

Além disso, é importante conhecer as razões que fizeram com que algumas carteiras ficassem de fora do ranking. Na listagem da reportagem, foram eliminados os fundos com menos de 100 cotistas e patrimônio líquido inferior a R$ 50 milhões em 31 de dezembro de 2013.

É um critério arbitrário e que pode causar injustiças. Mas evita constrangimentos. Por exemplo, determinado fundo de um bom gestor que teve ótimo desempenho no ano passado não entrou na relação porque a carteira era muito pequena.

Apesar da rentabilidade acumulada de cerca de 20% no ano passado, o fundo deu prejuízo para a maioria dos cotistas. Desde o início até hoje, a perda foi de R$ 2 milhões.

Isso ocorreu porque a rentabilidade foi alta enquanto o patrimônio era baixo. No momento em que o montante da carteira começou  crescer, o desempenho piorou.

O gráfico abaixo ilustra a captação acumulada, no eixo da esquerda, e o rendimento total acumulado da carteira, no eixo da direita. Depois de receber aportes de mais de R$ 40 milhões, o fundo passou a sofrer com a queda da rentabilidade. Em curto período, as perdas chegaram a R$ 4 milhões.

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No atual ambiente extremamente volátil, é prudente escolher bem as aplicações em fundos para escapar de, involuntariamente, transformar os investimentos em ração para os grandes tubarões do mercado.