Para lidar com prejuízos em títulos públicos

Nenhum investidor questiona ter feito um bom negócio quando comprou um título de renda fixa com taxa de 7% ao ano e viu, em seguida, juros caírem a 3%.

O lucro patrimonial provocado pela chamada “marcação a mercado” é refletido na valorização do título. O aumento da cotação aumenta a sensação de riqueza do aplicador. A tendência é de a confiança crescer e estimular aquisições dos mesmos papéis, para repetir, indefinidamente, a fórmula de sucesso.

Mas quando ocorre o inverso, poucos admitem ter feito um mau negócio. O mais frequente é o investidor assumir que o valor de mercado é meramente uma referência contábil, quase irrelevante a quem vai manter o título até o vencimento.

O conselho mais comum é ter paciência, não se desfazer da aplicação e evitar materializar o prejuízo. Ao investir em um título público, existe a certeza de que o valor do principal sempre será pago no fim do prazo, com juros e correção.

Os especialistas em finanças comportamentais, campo de estudo que trabalha com as armadilhas da mente, estudam esse tipo de assimetria. O excesso de confiança aparece após ganhos excepcionais e justifica o aumento de posições nas estratégias que foram lucrativas no passado.

Mas a dor da perda é maior do que o prazer do lucro. Quando as coisas dão errado, nossa mente cria cenários para justificar decisões equivocadas e insistir em aplicações que estão gerando prejuízos.

O arrependimento também exerce uma função importante sobre as estratégias. Como sempre existe a possibilidade de que perdas sejam eliminadas devido à valorização dos títulos, postergar as ações parece ser, em muitos momentos, a decisão mais sensata.

Para evitar entrar em uma espiral que, no fim das contas, impeça a escolha do melhor caminho a ser seguido, o ideal é tentar analisar os fatos da maneira mais objetiva possível. E a comparação dos dados históricos é um dos instrumentos que podem ajudar a sair do impasse.

Do dia 24 de janeiro de 2013 até 7 de fevereiro de 2014, as Notas do Tesouro Nacional da Série B Principal (NTN-B Principal), títulos corrigidos pela inflação e com pagamento de principal e juros apenas no vencimento, tiveram perdas expressivas. O título com vencimento em 2024, por exemplo, perdeu mais de 20%.

Uma aplicação hipotética de R$ 100 no início do período valeria hoje apenas R$ 78. Já são 261 dias úteis, equivalentes a pouco mais de um ano, com retorno no território negativo.

NTNBemDoisMomentos

A queda no valor de mercado dos títulos públicos desde o início de 2013 foi impressionante. E também inédita. Em seu conjunto, as NTN-Bs geraram prejuízo de quase R$ 100 bilhões aos investidores. E os títulos prefixados chegaram a perder R$ 20 bilhões no período de pouco mais de 30 dias, a partir da última semana de maio de 2013.

A discussão se o valor das perdas é meramente contábil ou se é um prejuízo efetivo acaba sendo irrelevante para o sentimento geral. Principalmente porque a desvalorização na fase atual foi praticamente constante, ao contrário do que aconteceu na crise de 2007 e 2008.

Naquele momento, o preço de mercado da NTN-B Principal com vencimento em 2024 oscilou de forma semelhante a um “W”: quedas expressivas foram seguidas por períodos de rápida recuperação.

Mesmo com as medidas adotadas pelos governos dos países centrais para tentar debelar a crise financeira, existiam dúvidas sobre se os problemas seriam resolvidos. As incertezas provocavam muita oscilação no preço de ativos.

Em uma visão retrospectiva, o sobe e desce de 2007 a 2008 acabou provocando menos desconforto para os detentores de títulos públicos. Como a correção dos preços era forte e rápida, havia estímulo para segurar as posições.

Mesmo assim, foram 387 dias úteis, cerca de um ano e meio, até que a cotação da NTN-B Principal de 2024 voltasse aos patamares de antes da crise. O investidor precisou de sangue frio para manter os papéis.

O desconforto atual com a queda do preço da NTN-B Principal está associado a uma corrida pela proteção contra a inflação. Como o governo passou a indicar que um pouco mais de inflacão não era um problema desde que o país apresentasse taxas de crescimento mais elevadas, houve aumento da procura por refúgio contra a alta dos preços.

Mas, contraditoriamente, os ganhos excepcionais com as NTN-Bs ocorreram porque a inflação se estabilizou e os juros caíram. Muitos acertaram pelos motivos errados.

Mesmo que a intenção seja levar os títulos até o vencimento, é importante avaliar se a oscilação do preço de mercado é compatível com a tolerância a perdas do investidor. Por melhor que seja o planejamento financeiro, ninguém pode dizer com certeza quando irá precisar dos recursos aplicados.

A queda dos preços da NTNB-Principal pode ser uma boa oportunidade de compra, desde que o risco do investimento seja compatível com os objetivos traçados.

6 pensamentos sobre “Para lidar com prejuízos em títulos públicos

  1. Prezado Marcelo, boa tarde.

    Estou entre os investidores que perderam com o NTN-B Principal (vencimento 2024). A minha dúvida é a seguinte: quando os juros sobem o valor nominal do título cai, é isso? Se o valor do título cai o montante do capital que eu apliquei também caiu e, como a rentabilidade é sobre o montante investido, ela também é menor. Se eu deixar até o vencimento, ou seja, 2024, o valor do capital vai se recuperar?

    • O Valor Nominal do título cai. A lógica dos títulos prefixados é receber o valor de face no vencimento. Valor esse que é R$ 1 mil.

      Ou seja, quando o investidor compra um título, ele compra R$ 1 mil trazido a Valor Presente por uma determinada taxa. Portanto, uma taxa maior significa um título valendo menos a valor presente.

      A resposta para sua pergunta é: sim, mantendo o título até o vencimento você terá seu capital mais os juros correspondentes à taxa pactuada porque receberá R$ 1 mil por título.

      http://www.ricodinheiro.com.br

  2. E quanto aos fundos de índice de inflação que carregam esses papéis e não temos como saber qual a política do fundo? Eles estão perdendo 15% nos últimos 12 meses. Tendo em vista que o viés é de alta da Selic, seria melhor realizar o prejuízo ou aguardar 2016, quando deve inverter o viés de alta da Selic?

  3. Izabel, pode ficar tranquila. Você vai recuperar o valor do capital.
    Isso pode acontecer até antes de 2024, se as coisas melhorarem na política e na economia, mas com certeza irá recuperar o principal se carregar o título até o vencimento. Além disso, obterá também um ganho real, isto é, superior a inflação – que é representado pelo cupom da época da compra – você pode consultar no histórico de operações do Tesouro Direto.

    Supondo que você comprou o título com taxa de 4,50% (hoje está próximo de 7% e por isso você está “perdendo”), irá receber em 2024 o IPCA + 4,50% ao longo desses 11 anos. O que é uma taxa boa. Imagine agora que está em 6,80%.

    Então se você tem objetivo de longo prazo e disponibilidade, talvez seja uma excelente hora de voltar as compras…
    Veja mais em:
    http://www.valor.com.br/financas/3403912/em-busca-do-juro-perdido http://preview.tinyurl.com/m92ocng

  4. Gostaria de aproveitar este espaço para observar que existem duas distorções na taxa de uma NTN-B:
    1 – na taxa divulgada é preciso descontar 0,3% da taxa de custódia;
    2 – por termos uma inflação muito alta no Brasil (mesmo a meta de 4,5% é alta), nos pagamos imposto de renda sobre inflação. Com a inflação atual na faixa dos 6%, em um investimento de longo prazo nos pagamos 0,9% de imposto sobre inflação (15% de 6%).
    Como exemplo do que citei, uma taxa de 7% com inflação anual de 6% depois de descontar a taxa de custódia e o imposto (na verdade impostos sobre os juros e sobre a inflação) deixa liíquido algo em torno de 4.82%. Não estou afirmando que 4,82% líquido é uma taxa ruim, mas apenas alertando que quem comprar uma NTN-B com uma taxa de 7% na verdade só vai embolsar 4.82%.
    Observo aínda que o título está protegido da inflação, mas a rentabilidade real líquida diminui a medida que a inflação aumenta. No exemplo acima, se a inflação fosse 10% ao invés de 6%, a taxa final líquida seria de 4.31%.
    P.S – como não sou economista (apesar de ter formação na área de exatas), aceito contestações que respeitem as regras matemáticas.
    Abraços!

    • Excelente Heron!
      Você lembrou muito bem da taxa de custódia e do IR. Só faltou a taxa de corretagem, que oscila muito. Poucas corretoras isentam o investidor, a maioria cobra entre 0,10% e 0,30% e os grandes bancos – esses cobram caro – a partir de 0,40% (nossa!!!, já se foi quase 1% só de taxas, sem contar o IR…) Então o investidor fica desapontado e procura a famosa poupança. Péssima decisão.

      Enfim, considero muito importante sua colocação, porque tem investidor que acredita que existe “almoço grátis”. Reclamam da taxa de administração do fundo de investimento, mas esquecem que pagam taxa de custódia e corretagem no Tesouro Direto e como você apontou, ainda tem o leão. A questão é que não há alternativa, a ineficiência do Estado nos persegue, seja via inflação seja via impostos. Mas isso é assunto para outra pauta.

      O importante é ter em mente que o investidor inteligente é aquele que observa tudo: potencial de retorno, riscos, taxas, impostos, prazos, dentre outras coisas, perseguindo seu objetivo e não rentabilidade de curto prazo.

      Feito tudo isso, então pode decidir a alocação dos recursos.

      Abraços,

      Alfredo

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