Controlando atalhos mentais e mantendo a racionalidade

Nem sempre as pessoas agem de maneira racional, ponderando cuidadosamente todos os pontos positivos e negativos antes de tomar uma determinada decisão. Com esse argumento simples, Richard H. Thaler conseguiu abalar muitos alicerces da teoria econômica e suas pesquisas lhe garantiram o prêmio Nobel de economia deste ano.

Thaler e Daniel Kahneman, outro vencedor da condecoração, desenvolveram conceitos e procuraram explicar as situações em que tendemos a agir de forma quase irracional. Com o passar do tempo, as ideias dos pesquisadores acabaram sendo incorporadas nas práticas do mercado financeiro.

A premissa é que sofremos de um problema cognitivo toda vez que precisamos tomar uma decisão que está fora do nosso escopo de habilidades. Ou, então, nos momentos em que não temos muito tempo para analisar profundamente o assunto.

Significa que quando estamos diante de certas situações, apesar de sermos inteligentes e buscarmos sempre a melhor configuração entre custos e benefícios, avaliando os diversos pontos de vista de maneira fria e lógica, acabamos nos perdendo no meio do caminho. A consequência é que nos embrenhamos por atalhos mentais que levam a resultados danosos.

MedoGanancia

Os exemplos de vieses comportamentais elencados pelos especialistas são sempre divertidos e provocam empatia. Thaler, por exemplo, descreve o alívio geral quando retirou da mesa um pote de castanhas que seus convidados não conseguiam parar de comer, apesar de terem a consciência de que a atitude acabaria com o apetite para o jantar. Kahneman, por sua vez, usa o exemplo dos torcedores que incentivam o jogador de basquete que acertou quatro cestas de três pontos consecutivamente a tentar mais uma jogada, a despeito de sabermos o quanto é improvável cinco lances seguidos no alvo.

Esses tipos de comportamento são inerentes ao ser humano e podem ser explicados psicologicamente. A criatividade dos pesquisadores foi unir esse arcabouço teórico ao funcionamento da economia e das finanças.

Thaler deu um passo além ao propor ações pragmáticas. Já que não temos condições de analisar minuciosamente todas as alternativas, é natural imaginar que precisamos de um empurrãozinho para tomar as decisões mais acertadas.

Nessa linha, nos países com tradição mais liberal, foram criados grupos de trabalho para desenvolver ações que incentivassem as pessoas a fazerem a coisa certa.

Vem daí a ideia de adotar como padrão a opção do trabalhador de participar de um fundo de previdência oferecido pela empresa. Ou de colocar as frutas na altura dos olhos das crianças na cantina escolar, deixando os salgadinhos fora da vista.

No Brasil, devido à nossa tradição mais intervencionista, esse tipo de discussão sobre a regulamentação acaba tendo interesse mais teórico do que prático. Afinal, nos planos de previdência oferecidos pelas empresas, se não houver uma certa adesão mínima dos funcionários, os aportes corporativos não são dedutíveis do imposto de renda da pessoa jurídica. Outro exemplo é o FGTS, em que o trabalhador e a empresa são obrigados por lei a investir no fundo, mesmo com a remuneração sofrível.

A crítica mais contundente aos modelos desenvolvidos pelos teóricos da economia comportamental refere-se ao argumento de que o arcabouço está relacionado a um conjunto de técnicas de persuasão.

A argumentação é que os vieses cognitivos existem para serem explorados. Especialmente no mercado financeiro, onde os produtos são naturalmente complexos.

Tome o caso de um consórcio e tente avaliar até que ponto deve-se contar com a sorte para ser contemplado com o bem mais rapidamente. Ou do título de capitalização, onde existe a chance ganhar um bom dinheiro a partir de depósitos mensais pequenos.

Não fica bem certo quem deve dar um empurrão para as pessoas comprarem ou evitarem determinados produtos financeiros.

Mesmo as modalidades mais sofisticadas estão sujeitas a avaliações que podem ser carregadas de vieses. O que dizer do desempenho futuro de um fundo de investimento que conseguiu quatro trimestres consecutivos de ganhos acima da média? É o caso de aplicar mais recursos ou realizar os ganhos?

Em diversas situações é tentador apelar para os vieses cognitivos e tentar provar que o investidor comum não é capaz de entender todas as nuances do produto financeiro proposto.

Na dúvida, é prudente apelar ao bom senso. Se você não entende o funcionamento de uma determinada modalidade de investimento, não compre. Mas sempre vale a pena investir para conhecer. Até mesmo contratando um especialista independente para fazer as análises.

Educação financeira sob demanda

Em 5 de outubro de 2011 esta coluna abordou os resultados de um estudo a respeito da riqueza das famílias. A conclusão era que pessoas com maior conhecimento sobre finanças pessoais conseguem acumular mais patrimônio ao longo da vida porque planejam a aposentadoria de forma mais eficiente e desenvolvem melhor a capacidade para escolher investimentos mais rentáveis.

Se a educação financeira tem implicação direta sobre a melhor situação econômica dos indivíduos, parece ser um passo natural o estímulo para criar e desenvolver programas a fim de massificar o conhecimento dos temas mais básicos para um bom planejamento financeiro pessoal. Especialmente no Brasil, onde o ambiente econômico é sempre volátil e o acesso a informações de qualidade, difícil.

Na semana passada, no entanto, reportagem de Luciana Seabra, do Valor, detalhou as descobertas de três Ph.D.s que desafiaram o senso comum e resolveram medir os resultados dos programas de educação financeira no mundo. Os números foram surpreendentes.

Segundo a avaliação dos especialistas, as análises estatísticas revelam que o impacto das diversas ações para disseminar o conhecimento sobre finanças pessoais entre a população é pequeno. Na média, as intervenções para promover a alfabetização financeira explicam apenas 0,1% da mudança de comportamento daqueles que participaram de algum dos programas.

A conclusão é que iniciativas genéricas não funcionam para os indivíduos que, na maioria das vezes, buscam soluções pontuais para resolver problemas específicos o que faz sentido, principalmente considerando a crescente complexidade e variedade dos produtos financeiros à disposição.

Um exemplo são os fundos de previdência. No passado, o complemento da aposentadoria do funcionário era garantido pela empresa em que trabalhava, por meio de planos de pensão na forma de benefício definido. Esses esquemas possuem mecanismo simples. Ao atingir determinada idade e após certo tempo de contribuição para o fundo de pensão administrado pela companhia, o valor da aposentadoria do empregado era proporcional aos últimos salários recebidos.

A principal vantagem é o conforto de poder prever um certo padrão após a vida profissional ativa. Todavia, devido a uma série de questões, esses arranjos foram mudando. E hoje, na prática, as empresas substituíram os antigos planos de benefício definido pelos de contribuição definida.

Na nova modalidade, em vez de vincular o valor da aposentadoria aos últimos salários, o montante é resultado da combinação entre as contribuições feitas ao longo dos anos e a rentabilidade das aplicações. Assim, uma série de produtos financeiros foi criada, tais como PGBLs e VGBLs, duas modalidades vinculadas a um plano de previdência.

Um erro comum dos participantes de PGBLs e VGBLs é achar que a contribuição mensal, calculada à época da contratação do plano, será suficiente para garantir a retirada esperada na aposentadoria. Invariavelmente, cálculos feitos na contratação do plano consideram premissas que podem perder a validade.

É preciso reavaliar continuamente a evolução da rentabilidade da aplicação, acompanhar os custos do plano e pesquisar opções melhores. Isso requer um esforço constante. Certamente, desenvolver a noção de que a necessidade de poupar é fundamental para um futuro mais confortável é importante do ponto de vista do planejamento financeiro.

Mas, avaliar continuamente a adequação dos produtos financeiros demanda conhecimentos muito específicos. Além disso, segundo os estudos, o investidor está sujeito a dois tipos de viés: cognitivo e emocional.

Os programas de educação do investidor podem funcionar para resolver questões associadas ao viés cognitivo, às falhas no processamento da informação. Já o viés emocional deve ser abordado de forma diferente. Um exemplo é a resistência para investir em ações. Em muitos casos o temor é de perder todo o capital. Esse é um problema de desconhecimento de como funciona o mercado financeiro e dos benefícios da diversificação.

Se o potencial investidor em bolsa tiver acesso aos números de rentabilidade do Ibovespa, poderá avaliar, em perspectiva, o pior momento do indicador e o tempo que foi necessário para recuperar as perdas em uma carteira balanceada, com 20% em bolsa e 80% em renda fixa, por exemplo. Mas, se a resistência de investir em bolsa estiver associada ao sofrimento de uma pessoa próxima que perdeu uma fortuna em ações com apostas alavancadas, o aspecto emocional tem impacto maior.

De forma geral, a dor da perda supera o prazer do ganho, o que induz ao conservadorismo. Mas em algumas situações, quando o prejuízo é iminente, a tentação natural é dobrar as apostas. O gráfico abaixo mostra como funcionam as decisões quando o assunto envolve perdas e ganhos.

PerdasGanhos

Os estudos mostram que, apesar de relevante, o potencial de generalização dos temas relacionados a finanças pessoais é pequeno. Do ponto de vista pragmático, o caminho do investidor parece ser menos o de palestras genéricas e mais o de consultas individuais para abordar pontos específicos.

Caso Petrobras: desistir ou persistir?

Nos últimos cinco anos, o valor das ações da Petrobras caiu mais de 70%. O momento é de desistir do investimento na companhia, atolada em escândalos de corrupção e incapaz de divulgar sequer o balanço auditado, ou o mais sensato é persistir, apostando numa eventual recuperação?

No capítulo sobre a lógica do raciocínio humano no volume editado por G. J. Madden, intitulado “APA Handbook of Behavior Analysis”, E. Fantino e S. Stolarz-Fantino abordam as falhas mais frequentes nas decisões que tomamos no nosso dia a dia. Um dos temas é o “efeito dos custos perdidos” (“sunk-cost effect”).

Segundo os pesquisadores, quando as pessoas investem tempo ou dinheiro em determinadas atividades ou aplicações financeiras, ficam mais propensas a insistir naquele rumo estabelecido, mesmo que o resultado final esperado comece a se mostrar questionável.

A atitude contraria a noção, largamente incorporada ao comportamento humano racional, de que as escolhas devem ser feitas baseadas nos custos e benefícios previstos para o futuro. Nesse contexto, o passado é irrelevante.

Mais fácil pensar do que agir. Devido ao tamanho do comprometimento anterior, nossa tendência é de postergar ajustes. A correção de rota deixa de ser planejada, considerando a lógica das perspectivas. E aspectos emocionais passam a dominar as decisões.

Atualmente, os efeitos dos custos perdidos podem estar influenciando a avaliação de muitos investidores em ações da Petrobras. A empresa possui uma sólida base de aplicadores, muitos com posições mantidas há anos e que vivenciaram os melhores momentos da companhia. A esperança é de que os bons tempos possam voltar.

Chassi

Um fator adicional que potencializa os efeitos dos custos perdidos é a valorização da persistência em nossa sociedade. Atitudes perseverantes são vistas como fator fundamental para o exercício do autocontrole e uma forma de se evitar decisões impulsivas. Há inúmeros casos pessoais e empresariais de sucesso que foram alcançados após um longo período de dificuldades. Em outros contraexemplos, para ilustrar o valor da determinação, a desistência aconteceu muito perto de o objetivo ser atingido, provocando arrependimento.

Daniel Kahneman, prêmio Nobel de economia e estudioso do comportamento humano, avaliando os efeitos das escolhas, buscou entender o sentimento de incômodo que pode ser provocado quando decisões são tomadas. Segundo ele, sair de uma atitude padrão tem potencial muito maior de gerar arrependimento se o resultado final não for o esperado.

Por exemplo, a opção por se desfazer de uma aplicação deficitária, assumindo o prejuízo, e depois assistir à alta desse ativo provoca mais dor do que manter intocado o investimento e continuar contabilizando as perdas. Nessas situações é mais confortável emocionalmente persistir do que desistir.

Uma das principais contribuições dos pesquisadores no campo da análise comportamental é explicar a lógica das atitudes que parecem irracionais. Em relação aos efeitos dos custos perdidos especificamente, a distorção tende a acontecer em virtude da influência dos incentivos e da forma como as recompensas e reforços são percebidos.

Considere o caso das ações da Petrobras. Apesar da queda brutal do preço das ações desde 2010, houve pelo menos seis intervalos em que a valorização dos papéis foi de mais de 20% em curto espaço de tempo.

A estatal aumentou o faturamento em 43% entre 2010 e 2013, passando de R$ 213 bilhões para R$ 305 bilhões. Outros indicadores de desempenho foram igualmente positivos. Isso tudo sem falar do otimismo provocado pela descoberta do pré-sal.

Ocorre que o conjunto de informações acaba atrapalhando o processo de decisão do investidor. A dificuldade, cada vez mais esmiuçada pelos especialistas, é como selecionar os dados relevantes e interpretar os resultados corretamente, sem cair nas armadilhas dos chamados vieses comportamentais.

Hoje a Petrobras possui um problema concreto. A atual administração da companhia tem se mostrado incapaz de lidar com os problemas derivados das investigações de atos de corrupção na empresa.

Em contrapartida, o cenário futuro dos negócios parece promissor, se a direção for capaz de recolocar a gestão nos trilhos. Mas é impossível medir a chance de cada desdobramento.
Do ponto de vista dos incentivos recebidos pelos detentores de ações da Petrobras nos últimos anos, a atitude mais indicada é vender, aguardar a mudança dos administradores da empresa e esperar pela elaboração de um plano de negócios convincente.

No entanto, os especialistas na análise fundamentalista, que procura determinar o valor justo da empresa, podem ter recomendação diferente. É importante conhecer a opinião desses profissionais.

De qualquer forma, a vantagem da liquidez nas negociações no mercado acionário é a possibilidade de desistir e, depois de determinado tempo, voltar a persistir. O que acaba sendo muito mais fácil de se praticar quando a carteira é suficientemente diversificada.