Desafios para educação financeira no Brasil ainda são grandes

A educação financeira é fundamental para o desenvolvimento pessoal e o progresso econômico do país. Na medida em que aprendemos o valor do dinheiro no tempo, somos capazes de tomar decisões mais embasadas e que levam a maior satisfação no longo prazo. Conjuntamente, as escolhas financeiras individuais terminam por impactar o bem estar de toda a população.

Opções tais como consumir hoje, poupar para o futuro, assumir um endividamento com prazo determinado e estratégia clara para a quitação, estabelecer um plano de investimentos com objetivos específicos ou administrar um negócio ficam mais fáceis de serem avaliadas se o conhecimento financeiro for alto.

A prática, no entanto, revela que a transmissão de conhecimento financeiro não é tarefa simples. Alguns programas de educação financeira acabam sendo mais bem sucedidos do que outros.

O assunto foi tema do seminário Novas Tendências em Educação Financeira e da conferência Ciências Comportamentais e Educação do Investidor. Os eventos foram realizados entre os dias 12 e 14 de novembro em São Paulo e contaram com a organização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em parceria com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Um dos motivos para um programa de educação financeira não atingir o resultado esperado é a desconexão com o público alvo. Por exemplo, ao não levar em conta a variabilidade das receitas daquela população que se deseja impactar.

O assunto foi abordado pelo professor Jonathan Morduch, autor do livro “The financial diaries” (“Os diários financeiros”, numa tradução livre). A obra de Morduch é resultado do acompanhamento financeiro semanal de um grupo de 235 famílias americanas com renda anual pouco acima da linha da pobreza. Esse público é representativo de uma parcela significativa da sociedade.

A motivação para a pesquisa foi a sensibilidade de que, apesar de a renda anual de muitas famílias ser suficiente para oferecer um padrão de vida minimamente confortável para os parâmetros americanos, a variabilidade dos ganhos no mês a mês acarretava impactos relevantes.

Nessa linha, os aconselhamentos tradicionais de que é preciso poupar parte da receita para os momentos difíceis e separar outro tanto para a aposentadoria são sugestões pouco factíveis para esse público.

Ao longo do período de um ano, uma parcela do superávit orçamentário conseguida nos meses bons é necessariamente consumida nos meses ruins. A gestão financeira das contas da família se torna muito mais complexa.

A situação exige sólidos fundamentos de administração do capital de giro, liquidez dos investimentos e gestão de passivos. Além de um bom relacionamento com as instituições financeiras.

Como essa sofisticação é difícil de atingir, o estudo de Morduch buscou entender e tentar generalizar as alternativas usadas por esse público. As conclusões podem servir de embasamento para as políticas públicas.

A realidade brasileira é semelhante. Alexandre Comin, do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), destacou no seminário a sazonalidade dos pequenos negócios. E as dificuldades que os empreendedores têm com as inovações financeiras.

Muitas vezes, com a expectativa de melhorar o fluxo de caixa, pequenos comerciantes acabam assumindo endividamento muito oneroso devido à facilidade para antecipar os recebíveis. Isso pode acabar se refletindo no descontrole das contas e causar inadimplência.

A Plano CDE, empresa brasileira especializada em pesquisa e avaliação de impacto nas famílias nas famílias das classes C, D e E do Brasil, também abordou o assunto com um estudo parecido com o de Morduch. Em parceria com a Fundación Capital, um empreendimento social, e o Guia Bolso, uma startup financeira, fez uma espécie de diário financeiro digital identificando o perfil financeiro das famílias das classes mais baixas.

Entre as principais constatações está a observação de que as famílias possuem múltiplas fontes de renda e que essas receitas são variáveis. Como consequência dessa dinâmica, aparecem conflitos entre o orçamento de casa e as despesas individuais.

Os gastos em espécie são proporcionalmente maiores do que os das famílias de maior renda e existe uma desconfiança generalizada no sistema financeiro. De uma forma geral, as famílias das classes C, D e E preferem manusear o dinheiro do que efetuar transações eletrônicas por meio de aplicativos.

É fundamental que os programas de educação financeira atuem em linha com os valores e objetivos de cada parcela da população.

Educação financeira sob demanda

Em 5 de outubro de 2011 esta coluna abordou os resultados de um estudo a respeito da riqueza das famílias. A conclusão era que pessoas com maior conhecimento sobre finanças pessoais conseguem acumular mais patrimônio ao longo da vida porque planejam a aposentadoria de forma mais eficiente e desenvolvem melhor a capacidade para escolher investimentos mais rentáveis.

Se a educação financeira tem implicação direta sobre a melhor situação econômica dos indivíduos, parece ser um passo natural o estímulo para criar e desenvolver programas a fim de massificar o conhecimento dos temas mais básicos para um bom planejamento financeiro pessoal. Especialmente no Brasil, onde o ambiente econômico é sempre volátil e o acesso a informações de qualidade, difícil.

Na semana passada, no entanto, reportagem de Luciana Seabra, do Valor, detalhou as descobertas de três Ph.D.s que desafiaram o senso comum e resolveram medir os resultados dos programas de educação financeira no mundo. Os números foram surpreendentes.

Segundo a avaliação dos especialistas, as análises estatísticas revelam que o impacto das diversas ações para disseminar o conhecimento sobre finanças pessoais entre a população é pequeno. Na média, as intervenções para promover a alfabetização financeira explicam apenas 0,1% da mudança de comportamento daqueles que participaram de algum dos programas.

A conclusão é que iniciativas genéricas não funcionam para os indivíduos que, na maioria das vezes, buscam soluções pontuais para resolver problemas específicos o que faz sentido, principalmente considerando a crescente complexidade e variedade dos produtos financeiros à disposição.

Um exemplo são os fundos de previdência. No passado, o complemento da aposentadoria do funcionário era garantido pela empresa em que trabalhava, por meio de planos de pensão na forma de benefício definido. Esses esquemas possuem mecanismo simples. Ao atingir determinada idade e após certo tempo de contribuição para o fundo de pensão administrado pela companhia, o valor da aposentadoria do empregado era proporcional aos últimos salários recebidos.

A principal vantagem é o conforto de poder prever um certo padrão após a vida profissional ativa. Todavia, devido a uma série de questões, esses arranjos foram mudando. E hoje, na prática, as empresas substituíram os antigos planos de benefício definido pelos de contribuição definida.

Na nova modalidade, em vez de vincular o valor da aposentadoria aos últimos salários, o montante é resultado da combinação entre as contribuições feitas ao longo dos anos e a rentabilidade das aplicações. Assim, uma série de produtos financeiros foi criada, tais como PGBLs e VGBLs, duas modalidades vinculadas a um plano de previdência.

Um erro comum dos participantes de PGBLs e VGBLs é achar que a contribuição mensal, calculada à época da contratação do plano, será suficiente para garantir a retirada esperada na aposentadoria. Invariavelmente, cálculos feitos na contratação do plano consideram premissas que podem perder a validade.

É preciso reavaliar continuamente a evolução da rentabilidade da aplicação, acompanhar os custos do plano e pesquisar opções melhores. Isso requer um esforço constante. Certamente, desenvolver a noção de que a necessidade de poupar é fundamental para um futuro mais confortável é importante do ponto de vista do planejamento financeiro.

Mas, avaliar continuamente a adequação dos produtos financeiros demanda conhecimentos muito específicos. Além disso, segundo os estudos, o investidor está sujeito a dois tipos de viés: cognitivo e emocional.

Os programas de educação do investidor podem funcionar para resolver questões associadas ao viés cognitivo, às falhas no processamento da informação. Já o viés emocional deve ser abordado de forma diferente. Um exemplo é a resistência para investir em ações. Em muitos casos o temor é de perder todo o capital. Esse é um problema de desconhecimento de como funciona o mercado financeiro e dos benefícios da diversificação.

Se o potencial investidor em bolsa tiver acesso aos números de rentabilidade do Ibovespa, poderá avaliar, em perspectiva, o pior momento do indicador e o tempo que foi necessário para recuperar as perdas em uma carteira balanceada, com 20% em bolsa e 80% em renda fixa, por exemplo. Mas, se a resistência de investir em bolsa estiver associada ao sofrimento de uma pessoa próxima que perdeu uma fortuna em ações com apostas alavancadas, o aspecto emocional tem impacto maior.

De forma geral, a dor da perda supera o prazer do ganho, o que induz ao conservadorismo. Mas em algumas situações, quando o prejuízo é iminente, a tentação natural é dobrar as apostas. O gráfico abaixo mostra como funcionam as decisões quando o assunto envolve perdas e ganhos.

PerdasGanhos

Os estudos mostram que, apesar de relevante, o potencial de generalização dos temas relacionados a finanças pessoais é pequeno. Do ponto de vista pragmático, o caminho do investidor parece ser menos o de palestras genéricas e mais o de consultas individuais para abordar pontos específicos.