Opções para jovens: poupança, previdência, bitcoin ou robôs?

Uma preocupação corriqueira dos adultos é orientar financeiramente os menores, especialmente sobre a importância de respeitar um orçamento de tal forma a gastar menos do que o total das receitas. Ainda mais no ambiente atual, em que as ofertas de produtos para facilitar o consumo são muitas.

Os meios de pagamento eletrônicos têm evoluído constantemente e hoje um jovem com celular pode pedir comida, baixar um jogo, escolher uma música, se locomover para onde quiser ou comprar ingresso para um espetáculo sem a preocupação imediata com o custo. A fatura vem depois, na conta do cartão de crédito.

Por seu turno, os aplicativos para facilitar a abertura e movimentação da conta bancária, fazer investimentos e acompanhar as oscilações do mercado também têm avançado em ritmo acelerado. Daí surge a dúvida se é melhor sugerir que o jovem invista de forma conservadora ou estimular para que experimente as modalidades arrojadas.

Como regra geral, mais importante do que cálculos padronizados sobre a relação entre idade e possibilidade de recuperação de perdas ou de avaliações subjetivas sobre o perfil de risco, é importante que o jovem conheça o processo de investimento. É uma forma de entender que o resultado final da aplicação, apesar de incerto, não está vinculado somente a uma questão de sorte ou azar.

Mesmo com todos os avanços tecnológicos, os produtos financeiros conservadores continuam figurando entre os mais populares. Devido à sua longa tradição, a principal aplicação financeira no Brasil é a caderneta de poupança.

Essa preferência pela poupança não deixa de ser surpreendente. Isso porque o rendimento da aplicação depende do cálculo da Taxa Referencial (TR), da Taxa Básica Financeira (TBF), de um redutor e de um percentual da Selic. Tudo muito difícil de explicar.

A maior vantagem do investimento na caderneta é o reconhecimento institucional. Apesar de praticamente ninguém se atrever a conferir os cálculos do rendimento mensal, o jovem investidor logo aprende que o fato de os ganhos serem divulgados pelo Banco Central (BC) e creditados a todas as contas gera muita confiança.

Além disso, a aplicação se tornou a porta de entrada, com custo reduzido, para o sistema bancário tradicional. A conta poupança aceita depósitos e os saques e transferências podem ser efetuados nos caixas eletrônicos.

O segundo lugar em popularidade é ocupado pelos planos de previdência destinados a menores. Apesar de também apresentarem uma estrutura complexa, o produto possui um forte apelo emocional, sobretudo para os pais.

A ideia é guardar uma quantidade de recursos relativamente pequena todos os meses. No fim de certo período, o jovem terá acumulado um patrimônio que poderá ser usado para financiar um curso superior ou, talvez, um intercâmbio no exterior.

O jovem que investe num plano de previdência acaba se familiarizando com o conceito de disciplina ao investir. E com o poder dos juros compostos.

Além disso, ao fazer as contas mais detalhadamente poderá perceber que os impactos dos custos operacionais não são desprezíveis. A taxa de administração e taxa de carregamento podem reduzir significativamente o resultado final do investimento.

A contrapartida é ter que conhecer os meandros do nosso complexo sistema tributário, em que os rendimentos podem ser isentos ou tributados numa alíquota de até 35%. Tudo irá depender da escolha do tipo de plano e do prazo de permanência no produto.

Uma terceira alternativa que entrou no radar dos investidores mais antenados é a compra de bitcoins (ou outras criptomoedas). A lógica do investimento é ensinar ao jovem que ele pode manter uma posição de investimentos dividida entre ativos sólidos e conservadores e outra parte em ativos extremamente agressivos e voláteis. O fundamental é fazer corretamente esse balanceamento.

Se, por infelicidade, a carteira virtual de bitcoins for “hackeada” ou roubada, o jovem pode aprender a dar valor a um sistema institucionalizado de proteção ao investidor. E compreender a importância do papel da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do BC.

Uma quarta opção são as carteiras administradas por robôs de investimento. Nessa modalidade um algoritmo estabelece a composição ideal de uma cesta de ativos indexados a diversos índices de taxas de juros e ações, de tal forma a maximizar o retorno para dado nível de risco.

O investimento é útil para aprender os conceitos da teoria das finanças e diversificação do portfólio. E em quais situações as premissas do modelo podem não corresponder à realidade.

O leque de ofertas para o jovem investidor é grande.

Rumo à privatização da aposentadoria

As regras propostas para a reforma da previdência realçam a necessidade de poupar ao longo da vida ativa para complementar o valor da aposentadoria no futuro. Conforme o projeto em discussão, para ter direito à aposentadoria integral igual ao valor do salário da ativa, o trabalhador que recebe rendimentos de até R$ 5.190 – o teto do INSS – teria que começar a trabalhar aos 25 anos, contribuir por 49 anos e se aposentar aos 74 anos. É uma hipótese irrealista.

Considerando um cenário otimista, se o contrato de trabalho começasse aos 25 anos e o trabalhador decidisse se aposentar aos 65 anos após contribuir por 40 anos, o valor do benefício seria equivalente a 91% do salário. E numa simulação mais realista, caso a contribuição seja de 35 anos, dos 30 até os 65 anos de idade, o montante da aposentadoria seria igual a 86% do salário.

Isso assumindo, para simplificar a análise, que o rendimento do trabalhador será constante desde o começo da vida ativa até a aposentadoria. Quanto mais o salário for subindo ao longo do tempo, maior a defasagem entre o valor da aposentadoria – calculado a partir da média das contribuições – e da última remuneração.

A conclusão é que para conseguir rendimento integral na aposentadoria, o trabalhador terá que se preocupar em poupar parte do salário em aplicações financeiras ou estruturas de previdência complementar. Assumindo expectativa de vida de 85 anos, a diferença entre o valor da aposentadoria do INSS e o rendimento almejado terá que ser coberto por saques desses investimentos.

No cenário otimista, o valor da poupança acumulada aos 65 anos deveria ser de R$ 320 mil para cobrir a diferença de 9% entre o salário hipotético de R$ 5.190 e o valor da aposentadoria. No caso realista, a poupança teria que ser de R$ 375 mil.

Assumindo que o trabalhador economize mensalmente parte do salário para acumular recursos para o futuro, no cenário otimista ele precisaria guardar o equivalente a 5,2% dos rendimentos para atingir seu objetivo. No cenário realista, o esforço de poupança mensal seria de 7,4% do salário. Para os casos de salários acima do teto do INSS, a necessidade de poupança é maior.

A premissa para os cálculos é de rendimento dos investimentos de 2% ao ano real, acima da inflação, tanto no período de acumulação quanto no de desembolso. Isso acaba revelando outro complicador.

O trabalhador interessado em poupar periodicamente para complementar a aposentadoria precisa contornar o fato de que, para valores de aplicação pequenos, as taxas cobradas nos produtos financeiros são elevadas.

Nos planos de previdência, por exemplo, é comum comissão de carregamento de 3% sobre as contribuições e de taxa de administração de 3% ao ano sobre o montante investido. Com esses custos, é difícil atingir o objetivo de rentabilidade de 2% ao ano acima da inflação, conforme usado nas simulações.

Assim, além da reforma macroeconômica da previdência, seria importante o governo avaliar os ajustes microeconômicos que poderiam ser feitos para tornar um pouco menos difícil a vida do trabalhador.

Regras INSS        
         
Teto do INSS 5.190      
período mínimo de contribuição (anos) 25      
% do teto INSS com período mínimo de contribuição 76%      
Adicional do % do teto por ano adicional de contribuição 1%      
Idade mínima de aposentadoria 65      
         
                                        Cenários
Premissas Irrealista Otimista Realista Pessimista
Idade de início da contribuição 25 25 30 25
Idade após período mínimo de contribuição 50 50 55 50
Idade de término do contrato de trabalho 74 65 65 60
Idade da aposentadoria 74 65 65 65
Contribuição adicional (anos) 24 15 10 5
Período total de contribuição (anos) 49 40 35 30
% teto com período total de contribuição 100% 91% 86% 81%
Expectativa de vida (anos) 85 85 85 85
         
                                       Cenários
Simulação Irrealista Otimista Realista Pessimista
Poupança para garantir a renda desde o término do contrato de trabalho até a idade mínima para aposentadoria 0 0 0 318.006
Poupança para garantir o complemento integral da aposentadoria do INSS 0 99.287 154.447 209.607
Valor total da poupança 0 99.287 154.447 527.613
Necessidade de poupança mensal em relação ao salário ao longo do período de atividade 0,0% 2,4% 4,6% 15,6%

 

Situação específica para ganhos acima do teto do INSS        
Salário 10.380 100% acima do teto do INSS
Renda mensal almejada na aposentadoria 8.304 80% do salário da ativa
Renda suplementar acima do terto do INSS 3.114      
         
         
                                    Cenários
Premissas Irrealista Otimista Realista Pessimista
Idade de início da contribuição 25 25 30 30
Idade após período mínimo de contribuição 50 50 55 55
Idade de término do contrato de trabalho 74 65 65 60
Idade da aposentadoria 74 65 65 65
Contribuição adicional (anos) 24 15 10 5
Período total de contribuição (anos) 49 40 35 30
% teto com período total de contribuição 100% 91% 86% 81%
Expectativa de vida (anos) 85 85 85 85
         
         
         
                                  Resultados
Simulação Irrealista Otimista Realista Pessimista
Poupança para garantir a renda desde o término do contrato de trabalho até a idade mínima para aposentadoria 0 0 0 508.810
Poupança para garantir o complemento integral da aposentadoria do INSS 0 99.287 154.447 209.607
Poupança para garantir o suplemento da aposentadoria do INSS 396.177 661.916 661.916 661.916
Valor total da poupança 396.177 761.203 816.363 1.380.332
Necessidade de poupança mensal em relação ao salário ao longo do período de atividade 3,6% 9,3% 12,1% 25,2%

A “financeirização” crescente é uma preocupação mundial

Cada vez mais, no Brasil e no mundo, é necessário que as pessoas se preocupem em acumular recursos para bancar despesas futuras. Especialmente para compromissos relacionados aos gastos com saúde e previdência.

Os arranjos mais solidários, em que o Estado administrava os impostos pagos por uma geração mais nova para financiar os gastos da geração mais velha foi sendo gradativamente abandonado. Atualmente todos precisam ter suas próprias reservas.

As inovações no mercado financeiro têm ajudado a encarar as crescentes apreensões. Foram criados diversos serviços, produtos e mecanismos para permitir que as metas individuais de acumulação de patrimônio pudessem ser atingidas com mais facilidade.

As opções são muitas. O investidor pode, por exemplo, aderir a um plano de previdência cujas contribuições são descontadas automaticamente de sua conta corrente, participar de um fundo de pensão patrocinado pela empresa em que trabalha ou contratar um plano de saúde oferecido por seguradoras especializadas no segmento.

Além disso, existe uma grande variedade de aplicações financeiras acessíveis: fundos de investimento, CDBs, LFs, LCIs, LCAs, debêntures, CRAs e CRIs, além dos títulos públicos. Cada uma com características específicas e determinados atrativos.

Diversos sites, serviços de análise e de elaboração de relatórios financeiros estão à disposição do investidor mais interessado. Sem contar a assessoria por robôs, que promete ser a última palavra em eficiência e sofisticação.

A importância das questões financeiras para que as pessoas consigam ser atendidas em suas necessidades básicas ganhou o nome de “financeirização”. O termo tem uma conotação pejorativa.

É utilizado para marcar as consequências negativas do domínio do capital financeiro sobre a economia. E, também, para realçar que o uso de instrumentos complexos por parte das pessoas e empresas pode terminar em sérios prejuízos. O caso da crise do mercado imobiliário nos EUA em 2008 é o exemplo mais emblemático.

Do ponto de vista pragmático, os problemas mais graves decorrentes da “financeirização” ocorrem quando existe a percepção de que o dinheiro do aplicador não está sendo investido de maneira eficiente. Isso pode ocorrer devido aos custos elevados ou por má gestão.

Outro risco são os atalhos relacionados com o sonho de enriquecimento rápido. Muitas vezes, a busca por aplicações financeiras milagrosas pode resultar em pesados prejuízos, caso o investidor não seja capaz de contornar algumas armadilhas.

Um interessante estudo da pesquisadora Aina Begim intitulado “Financial planning as self-fashioning in the age of financialization”, que poderia ser traduzido como planejamento financeiro como um modismo na era da “financeirização”, descreve o que aconteceu no Cazaquistão, uma antiga república da extinta União Soviética.

Rico em petróleo, o país experimentou crescimento vigoroso nos anos 90 e o governo aproveitou o “boom” econômico para reformar o sistema socialista estatal de previdência. As pessoas passaram a investir compulsoriamente em fundos de pensão administrados pela iniciativa privada e o rendimento auferido seria usado para financiar a aposentadoria.

No entanto, com o passar do tempo, a percepção geral da população passou a ser de que o dinheiro estava sendo mal administrado. O rendimento dos fundos passou a ficar menor do que a variação dos índices de preço.

Gradativamente, a desconfiança da população aumentou. As pessoas resolveram buscar alternativas para deixar de contribuir com o plano de pensão obrigatório ou criar subterfúgios para antecipar os resgates.

Por fim, o governo foi obrigado a corrigir a estrutura que tinha sido estabelecida. O efeito colateral, no entanto, foi o aumento da informalidade do sistema financeiro.

Nesse ambiente, surgiram esquemas de captação de poupança por meio da contratação de seguros de vida no exterior. Diversos consultores financeiros passaram a estimular os clientes a proteger o patrimônio das garras do governo.

Um eficiente arcabouço de captação de recursos informal que misturava o marketing multinível com pirâmide financeira foi sendo desenvolvido.

O que aconteceu no Cazaquistão pode ocorrer em qualquer país do mundo. O investidor precisa ficar atento e se informar para evitar correr o risco de perdas irrecuperáveis.

O alerta do estudo é que mecanismos de autoajuda sem o necessário embasamento financeiro podem resultar em armadilhas custosas.