Pirâmides financeiras e marketing multinível

Para Bill Ackman, gestor da Pershing Square, um “hedge fund” americano, Herbalife é uma transação para a vida.

Não que ele seja fã do modelo de negócios da empresa global de suplementos alimentares, muito pelo contrário. Ackman acredita que, no fundo, a Herbalife explora um esquema de pirâmide financeira e que, cedo ou tarde, a companhia irá à falência.

Ackman vendeu ações a descoberto da empresa, uma posição que garante lucros caso os papéis caiam de preço. Até agora, no entanto, o resultado do investimento tem sido péssimo. A estimativa é de que os investidores da Pershing Square estejam contabilizando prejuízos de US$ 500 milhões desde dezembro do ano passado com a aposta. Isso porque as ações da Herbalife subiram do patamar de US$ 30 para US$ 70 no período.

Mas Ackman continua determinado, mesmo com os rumores de que a empresa poderá levar adiante uma proposta para fechar o capital e recomprar todas as ações que estão em circulação no mercado. Se isso acontecer, ele declarou que pretende mudar a estratégia. Vai montar operações no mercado de derivativos de crédito para apostar na inadimplência da companhia e consequente desvalorização dos títulos de dívida emitidos para financiar o fechamento de capital.

A convicção do investidor ativista foi renovada a partir de um relatório recente da SEC, o órgão equivalente nos Estados Unidos à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O trabalho da SEC alertou para esquemas de pirâmides financeiras disfarçados de operações de marketing multinível.

A autoridade americana listou sete pontos que merecem a atenção dos potenciais aplicadores. Se o negócio envolver a ênfase no recrutamento, promessas de alto retorno em curto período de tempo, dinheiro fácil ou rendimento passivo e sem esforço, necessidade de compra de produtos para poder revendê-los, estruturas complexas para definir o valor das comissões, nenhum produto ou serviço efetivamente vendido para pessoas que não fazem parte da rede e, finalmente, se não existirem demonstrativos das vendas efetuadas no varejo, é um sinal de alerta.

Ackman viu semelhanças na operação da Herbalife com todos os pontos listados pela SEC. No entanto, a empresa, os revendedores da companhia e diversos investidores de peso refutam as acusações. George Soros, Carhl Icahn e William Stiritz são alguns dos renomados gestores de recursos que possuem ações da Herbalife e estão na posição contrária à da Pershing Square.

Também no Brasil a CVM tem a preocupação de previnir os aplicadores sobre esquemas que podem ser, na verdade, pirâmides financeiras disfarçadas. Segundo a autarquia, o seu serviço de atendimento ao cidadão (SAC) recebe diversas consultas de pessoas com dúvidas sobre a regularidade de propostas de participação em várias “oportunidades de negócios”. Muitas podem acabar lesando os participantes.

No site da CVM, na área de proteção e educação ao investidor, existe um item que reúne as publicações educacionais. Lá são agrupados diversos estudos, incluindo o boletim de proteção ao investidor/consumidor.

Os trabalhos são preparados conjuntamente pela CVM e Secretaria Nacional do Consumidor (Senacom), órgão do Ministério da Justiça. O tema do sexto boletim foram as possíveis relações e semelhanças entre o marketing multinível e as pirâmides financeiras.

Casos de investidores que buscam lucrar com a derrocada de uma determinada companhia são raros. Por isso a disputa com as ações da Herbalife vem chamando tamanha atenção. No entanto, golpes financeiros que envolvem a promessa de ganhos mirabolantes e com pouca explicação de como os lucros serão atingidos são relativamente comuns.

As informações disponibilizadas no site da CVM são fundamentais para esclarecer dúvidas sobre o funcionamento do marketing multinível e evitar cair em golpes, investindo ou participando de esquemas fraudulentos.

Caso Herbalife é alerta para investidor

Uma das tramas mais empolgantes, tratada quase como um espetáculo pela mídia especializada nos Estados Unidos, é a atual disputa entre detentores de posições vendidas e compradas nas ações da Herbalife, empresa que fabrica e vende produtos de nutrição em mais de 80 países.

A Herbalife existe desde 1980 e tem como missão “mudar a vida das pessoas e proporcionar as melhores oportunidades de negócios em vendas diretas de produtos relacionados a uma vida saudável”. A empresa adota o sistema de “marketing multinível” em que, basicamente, quanto mais pessoas fizerem parte de uma determinada rede de distribuição dos seus produtos, maiores serão os lucros dos participantes.

O investidor americano Bill Ackman, que administra a companhia de investimentos Pershing Square Capital Management – um “hedge fund” -, acusa a Herbalife de organizar um esquema de pirâmide que provoca enormes danos a diversas comunidades vulneráveis nos Estados Unidos e no mundo. Com a esperança de aumentar rapidamente a renda, argumenta Ackman, as pessoas acabam comprando produtos que não precisam e que são vendidos pela Herbalife por preços acima dos praticados pela concorrência.

Ackman é um investidor ativista, que defende publicamente as razões que embasam seus investimentos. No caso da Herbalife, ele acredita que, por ser fundamentado em um esquema que pode ser considerado ilegal, o modelo de negócios da empresa não é sustentável no longo prazo. Cedo ou tarde, a companhia irá enfrentar sérias dificuldades.

Esse foi o principal motivo que levou Ackman a vender a descoberto uma quantidade expressiva de ações da empresa. Significa que ele alugou papéis da Herbalife de outros acionistas, vendeu essas ações no mercado e pretende lucrar com a queda da cotação.

Para que a posição de Ackman seja lucrativa, ele precisa convencer o maior número possível de investidores de que suas análises sobre a Herbalife estão certas. Assim, antes do vencimento da operação de aluguel de ações, Ackman poderá recomprar os papéis da Herbalife negociados no mercado por preço mais baixo do que ele tinha vendido.

A campanha contra a empresa tem papel fundamental para viabilizar a quitação do empréstimo das ações com lucro.

No entanto, ao revelar suas posições, Ackman fica vulnerável. Outros investidores, mesmo sem ter uma opinião formada sobre os negócios da Herbalife, podem resolver comprar papéis da companhia porque sabem que Ackman está vendido.

Isso porque sabem que, em algum momento, ele será obrigado a recomprar as ações que vendeu a descoberto para pagar o empréstimo. Nessas situações, outro tipo de investidor pode entrar em cena.

Existem especuladores que buscam formar posições em papéis de empresas que estão sendo negociados por preços baixos em razão de algum tipo de disputa. Alguns são considerados, pelo mercado, verdadeiros “saqueadores de companhias”. A intenção é lucrar a qualquer custo, mesmo que a empresa tenha que ser desmembrada e vendida em vários pedaços.

Em janeiro, Carl Icahn, um dos mais famosos e polêmicos investidores americanos, protagonizou um raro espetáculo ao discutir publicamente com Ackman durante um programa de televisão. Apesar de não admitir que mantivesse uma posição comprada em ações da Herbalife, Icahn atacou duramente a estratégia de Ackman. Icahn deu a entender que gostaria que as cotações da Herbalife subissem, porque prejudicaria Ackman.

A repercussão da briga entre os dois investidores foi grande, especialmente em blogs. Como a estratégia de Ackman é mais bem fundamentada, ela parece mais atrativa para pequenos investidores interessados em aproveitar a disputa para conseguir lucros adicionais.

Mas a oscilação dos preços de mercado das ações aumentou, o que eleva os riscos. Em 31 de dezembro de 2010, período distante das polêmicas, os papéis da Herbalife valiam US$ 33,21. No dia 3 de maio de 2011, os ativos registravam alta de 40%, negociados a US$ 49,65.

CHASSIS ONLINE

Depois de atingirem o pico de US$ 71,33 em 23 de abril de 2012, as ações caíram 41% em menos de um mês. Em 21 de dezembro, o preço bateu na mínima de US$ 27,27 e fechou, na última segunda-feira, em um patamar 40% maior.

O excesso de volatilidade das ações pode liquidar com o capital dos pequenos investidores que alavancam as posições com a esperança de aumentar os ganhos.

Apesar de o caso ser nos Estados Unidos, serve de alerta para os investidores brasileiros. Por trás de análises bem intencionadas podem existir muitos conflitos de interesses. É preciso redobrada atenção ao negociar com ações de companhias envolvidas em qualquer tipo de disputa.