Após disputarem 12 partidas, cada uma com duração média de seis horas, uma vitória para cada lado e dez empates, o dinamarquês Magnus Carlsen e o russo Sergey Karjakin decidirão hoje, numa série de partidas rápidas, o novo campeão mundial de xadrez.
Se tanto Carlsen, o atual campeão, quanto Karjakin, o desafiante, estivessem jogando contra um computador, o confronto já estaria resolvido. Com a evolução dos programas aprendizagem automática (“machine learning”, em inglês) tornou-se impossível para um humano, hoje, derrotar os computadores no xadrez.
O conceito de “machine learning” tem sido utilizado em diversas áreas, inclusive no mercado financeiro. O objetivo é identificar e lucrar com fatos aparentemente desconexos e difíceis de serem percebidos.
Na segunda-feira o Ibovespa subiu 2,1% mesmo com o acirramento da crise política brasileira. Na véspera, em pleno domingo, o presidente Temer tinha sido obrigado a convocar uma entrevista coletiva com as participações dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado para acalmar os ânimos.
O motivo da alta da bolsa, apesar do momento político conturbado, foi atribuído ao aumento do preço do minério de ferro no mercado mundial. E essa valorização ocorreu mesmo com as incertezas geradas pelo programa de governo do presidente eleito dos Estados Unidos Donald Trump e a perspectiva, cada vez mais segura, de elevação dos juros pelo Fed, o banco central americano.
Outro exemplo de correlações intrincadas entre os mercados aconteceu no começo do ano. Desde meados de fevereiro até o fim de julho o Ibovespa subiu cerca de 40%. A valorização ocorreu em linha com a recuperação dos preços do petróleo no mercado internacional, que saiu de US$ 30 para US$ 45 por barril.
Na época, e ainda hoje, a economia mundial não dava sinais de recuperação marcante. A alta do petróleo não foi acompanhada pelo aumento acentuado do consumo mundial ou redução marcante dos estoques.
Os métodos tradicionais de análise de dados envolvem mapear as possíveis relações entre os diversos fatores capazes de influenciar determinado fenômeno. A partir daí é estabelecido um modelo estatístico e os resultados práticos são testados.
É razoável supor que a quantidade de fertilizante usada para adubar uma área tenha impacto direto sobre a safra colhida. Outros fatores, especialmente o clima, podem ter participação no resultado final. Mas a tendência é que quanto maior o investimento em insumos, mais produtiva será a terra.
Para tentar estabelecer o montante do investimento ideal na melhoria da terra, um agricultor pode recorrer aos testes estatísticos tradicionais. A premissa é que existe um modelo de distribuição dos dados que defina a quantidade de insumos e a safra colhida. Após estabelecida essa relação, as projeções podem ser feitas com alguma margem de segurança.
Os métodos de “machine learning” assumem que as tendências podem ser identificadas unicamente a partir da análise dos dados que estão sendo estudados. Assim, não é preciso construir um modelo teórico para o comportamento das relações, basta analisá-las.
No caso do xadrez, a melhor resposta ao lance do adversário é aquela que irá oferecer a maior possibilidade de vitória, sem se descuidar da defesa das peças. No fundo, os programas de “machine learning” atuam exatamente como um humano abordaria o problema, mas com maior precisão e capazes de fazer análises em espaço de tempo muito mais curto.
No Brasil, alguns fundos de investimento já começam a utilizar modelos quantitativos para fazer a gestão de recursos. Muitas estratégias visam usar as possíveis correlações de curto prazo entre a variação de preços de determinados ativos.
A principal tática empregada por esses gestores é vender alguns ativos que podem cair de preço e, simultaneamente, comprar outros com potencial de alta. Entretanto, nem todos são adeptos dos métodos de “machine learning”.
As “fintechs”, empresas que usam a tecnologia para oferecer produtos e serviços financeiros, também tentam atrair clientes e massificar o atendimento com métodos quantitativos. O principal apelo é a agilidade nas mudanças da composição da carteira.
A despeito de todo o avanço tecnológico, a análise tradicional ainda merece atenção dos investidores. A economia brasileira continua em recessão, os juros reais estão em patamares elevados, mas as contas externas estão ajustadas.
Certamente ainda existe espaço tanto para o bom senso nas análises de mercado quanto para a admiração pelo xadrez jogado por humanos.