A percepção dos especialistas internacionais é que o mundo está entrando num ciclo de redução do endividamento de governos, empresas e consumidores, desencadeado pelo aumento dos juros nos Estados Unidos.
Apesar de a elevação das taxas administradas pelo Fed, o banco central americano, ter começado há mais de um ano, foi apenas no quarto trimestre de 2018 que os mercados mundiais sentiram o baque.
O S&P 500 teve a maior queda trimestral desde o terceiro trimestre de 2011. Os ativos globais de renda variável e as commodities caíram ao redor de 13% em dólares. O petróleo recuou 35%.
O impacto desses ajustes foram pouco percebidos no Brasil, que vive um outro momento do ciclo econômico após dois anos de forte recessão. O Ibovespa subiu 10% e o real valorizou cerca de 3% entre outubro e dezembro do ano passado.
No exterior, a despeito da alta dos juros de curto prazo, as taxas de longo prazo caíram. É um movimento pouco comum. O retorno médio dos títulos públicos americanos com prazo de vencimento entre sete e dez anos caiu de 3% ao ano para 2,66% ao ano no intervalo de três meses. Tradicionalmente, a razão para a ocorrência dessa dicotomia é a intuição de que uma recessão econômica está a caminho.
Como a retração tende a provocar queda no preço dos ativos, redução do emprego e queda da inflação, mais cedo ou mais tarde o banco central acaba sendo forçado a reduzir novamente os juros. Assim, a estratégia é antecipar as decisões para evitar as perdas nos investimentos de renda variável e alongar as aplicações em renda fixa.
A grande discussão entre os analistas é se o ajuste atual é apenas conjuntural ou se existem razões estruturais mais sérias para arrastar as economias globais para um período recessivo mais prolongado.
No curto prazo, o principal temor é com a gestão do endividamento. Segundo estimativas de Karen Fang, diretora do Bank of America Merrill Lynch em um painel no Fórum Econômico Mundial em Davos, a dívida global de governos, empresas e consumidores saiu de US$ 100 trilhões em 2008 para US$ 170 trilhões em 2018. Em termos relativos, a dívida passou de 170% do PIB mundial para 232%.
É mais relevante avaliar a dívida em termos relativos. Para os governos, em relação ao PIB; para as empresas, como proporção do fluxo de caixa; e para os consumidores, em relação à renda disponível.
O ajuste do endividamento é sempre mais fácil nos momentos de crescimento econômico. Vem daí a preocupação com a possibilidade de desaceleração mais forte dos negócios.
Um ponto positivo é a opinião dominante de que os bancos globais estão atualmente em uma posição mais sólida do que estavam antes da crise financeira de 2008. Isso reduz drasticamente o risco de uma paralisação sistêmica.
A contrapartida é que as regras prudenciais em vigor impedem que as instituições financeiras absorvam eventuais choques momentâneos de excesso de oferta de títulos de dívida no mercado secundário.
Hoje, os maiores detentores de títulos corporativos são fundos soberanos, países com superávit no comércio internacional, fundos mútuos e negociados em bolsa (ETFs), companhias de seguros e fundos de pensão. Em caso de venda generalizada dos títulos, a perspectiva é que a volatilidade no mercado aumente, mas sem desencadear uma crise com raízes mais profundas.
A discussão estrutural sobre os percalços da economia mundial está focada numa eventual expulsão da China da cadeia de produção global. Nessa linha, a guerra comercial capitaneada pelos Estados Unidos preocupa.
Segundo a economista Jin Keyu, da London School of Economics, a economia chinesa responde por cerca de 30% do crescimento econômico mundial, apesar da recente desaceleração. E a China começa a se transformar em um consumidor líquido de produtos, contribuindo para o aumento da demanda agregada.
Ela é otimista em relação aos problemas decorrentes do excesso de endividamento chinês e acredita que o tema pode ser resolvido com reformas para tornar a economia mais competitiva. E considera que o governo tem demonstrado poder de reação.
O Brasil aparece fora de todas essas discussões e vai surfando uma onda de recuperação interna. A grande dúvida é o quanto das turbulências internacionais podem atrapalhar a nossa retomada do crescimento.