No mundo ideal, você contaria com um assessor financeiro capaz de avaliar seus investimentos de forma afinada com as suas necessidades. Como consequência, as recomendações do especialista levariam em conta apenas os objetivos que foram estabelecidos no seu planejamento pessoal.
Na prática, entretanto, essa situação é um luxo ao alcance de poucos. Na maioria das vezes, o investidor é obrigado a negociar solitariamente e enfrentar circunstâncias em que ocorrem conflitos de interesse.
Nas operações financeiras, de forma geral, quanto melhor para o cliente, pior para a instituição. Isso porque o padrão de remuneração é a diferença entre o custo do dinheiro e a taxa de repasse das operações. É o chamado “spread” bancário.
Por exemplo, considere a remuneração de um certificado de depósito bancário (CDB) que paga 97% da variação diária dos certificados de depósitos interfinanceiros (CDI). Se o banco conseguir repassar os recursos captados à taxa de 100% do CDI, terá lucro.
Se a remuneração do CDB for aumentada para 101% do CDI, o banco será obrigado a encontrar tomadores dispostos a pagar mais do que isso para ter ganho. Caso contrário, não haverá interesse em emitir o título.
Nos fundos de investimento, a remuneração do gestor está associada à taxa de administração da carteira e, nas corretoras, à taxa de corretagem para intermediação dos negócios. Também nesses casos, quanto maior o custo, pior para o investidor.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e demais órgãos reguladores buscam estabelecer padrões mínimos de conduta para evitar que o cliente seja prejudicado. A premissa é que na relação entre especialistas e investidores os últimos são a parte mais fraca em termos de capacidade de negociação.
As situações de conflito decorrentes das estruturas de remuneração dos produtos financeiros não são novidades. Além da proteção dos reguladores, o investidor tem a possibilidade de comparar alternativas para minimizar possíveis prejuízos.
Quanto mais amplo e transparente for o mercado, mais fácil será identificar boas oportunidades e evitar as armadilhas. No entanto, nem sempre as coisas funcionam conforme o esperado.
Usando diversos exemplos pitorescos de situações do dia a dia, dois vencedores do Prêmio Nobel de economia lançaram, recentemente, um livro sobre a economia da manipulação e do logro. A ideia desenvolvida pelos economistas, George Akerlof e Robert Shiller em “Phishing for Phools” (sem tradução para o português) é que o mercado nem sempre converge para uma situação ideal de equilíbrio.
Os autores usaram uma analogia com os “emails” que recebemos solicitando clicar em determinado “link” para, por exemplo, atualizar os dados cadastrais da conta bancária. O objetivo dessas mensagens é roubar dados pessoais.
Em inglês, o nome dessa atividade é “phishing”, termo que busca passar a ideia de uma pescaria mal-intencionada. Akerlof e Shiller desenvolveram o conceito de “phishing equilibrium”.
Trata-se de uma situação de mercado perfeitamente legal e dentro das regras econômicas, mas com potencial de causar prejuízos aos desavisados.
Considere a oferta de cartões de crédito sem custos de manutenção. Muitos verão a alternativa como uma oportunidade para reduzir os gastos com tarifas bancárias. Outros, entusiasmados com a possibilidade de conseguir mais crédito, podem ser tentados a se endividar no crédito rotativo e acabar pagando juros elevados.
O equilíbrio financeiro da empresa de cartões de crédito ocorre porque os ganhos decorrentes dos juros cobrados no financiamento dos gastos excessivos de alguns que usarão o crédito rotativo irão compensar os custos operacionais dos cartões daqueles que não se endividam.
Nesse equilíbrio, os mais gastadores subsidiam os mais controlados. A empresa de cartões consegue “pescar” alguns mais desavisados para financiar a expansão da participação no mercado.
No mundo de investimentos, se você tem R$ 5 mil para aplicar, nos bancos de varejo provavelmente terá acesso apenas a fundos com taxa de administração de 2,5% ao ano. Com R$ 1 milhão, conseguirá taxas muito mais baixas.
Ou, se desejar investir em títulos públicos com tarifas mais baixas, provavelmente terá que abrir mão da estrutura do Tesouro Direto e adquirir os papéis diretamente da carteira da corretora. Talvez a conta chegue quando você precisar vender os títulos, antes do vencimento.
O conceito de equilíbrio desenvolvido pelos autores não chega a ser revolucionário. No entanto, a sistematização das situações em que essa “pescaria” pode ocorrer ajuda na preparação para os momentos de decisão.
Da mesma forma que, hoje, conseguimos detectar as mensagens eletrônicas potencialmente perigosas, os conceitos desenvolvidos no livro de Akerlof e Shiller podem evitar perdas no mercado financeiro.
Afinal, no longo prazo, um ganho adicional de 2% ao ano pode fazer uma grande diferença no patrimônio acumulado para a aposentadoria. É essencial saber onde estão os conflitos, para não fazer papel de bobo.